Os bárbaros qualificaram o massacre de civis em Israel pelo Hamas como um mero ataque militar. Enquadraram o número de mortos como casualidades da guerra. Apelidaram os terroristas de “militantes”. Descreveram os actos terroristas como “ataques terrestres”. Exibiram indiferença perante os relatos e as imagens de jovens a suplicar pelas suas vidas num festival de música antes de serem executados. Ignoraram as famílias desfeitas e o rapto de crianças entretanto presas em túneis. Silenciaram a decapitação de bebés. Condescenderam a violência e violação colectiva de mulheres. Alegaram um perverso sentido de justiça para justificar os actos de terror do Hamas contra a população israelita. Viram as mortes de inocentes como peças neutras de um puzzle geopolítico. Aplaudiram tácticas de guerrilha do Hamas que convertem civis em escudos humanos. Confundiram o Hamas com o povo da Palestina, como se a organização terrorista representasse a população. Equipararam as acções do Hamas às da Ucrânia no combate à invasão russa. Sugeriram que o Hamas teria agido sob a tolerância ou coordenação das autoridades israelitas, supostamente interessadas em sacrificar cidadãos inocentes para sobreviverem no poder. Amalgamaram o conceito de legítima defesa com a aspiração de destruir Israel, partilhada por terroristas e Estados que os apoiam. Colocaram-se ao lado de regimes tirânicos, onde o ódio anti-semita impera e a repressão política esmaga os horizontes das populações. Culparam os EUA ou Israel, nunca o Hamas. Apresentaram-se como paladinos da “paz” ao mesmo tempo que justificavam a morte e a guerra. Manifestaram-se contra Israel através de associações e organizações alegadamente promotoras da liberdade e da tolerância. Alinharam com o relativismo moral do PCP. Criticaram quem, em nome do Estado português, declarou solidariedade para com Israel e os israelitas. Exigiram às autoridades públicas “neutralidade” perante a barbaridade. Ignoraram as duas vítimas israelo-portuguesas. Emitiram posições com (falsos) lamentos pela violência, nas quais a palavra-chave é sempre “mas”. Tentaram convencer-nos que a defesa dos direitos humanos pode incluir a chacina de civis indefesos.

A todos estes bárbaros importa dizer não. Não, não vamos confundir ataques militares com massacre de civis. Não, não vamos ser “neutros”. Não, não vamos abdicar da empatia, da humanidade e da decência. Não, não vamos vacilar na rejeição do terrorismo. Não, não vamos abdicar dos princípios e dos valores que definem as sociedades livres, pluralistas e democráticas. Não, não vamos aceitar que a execução de mulheres e crianças sirva qualquer conceito de justiça ou resistência. E não, não vamos esquecer quem, exercendo cargos de representação associativa ou política, numa hora tão negra escolheu sentar-se ao lado do terrorismo do Hamas.

A rejeição da barbárie corresponde ao ponto de partida essencial para relações sociais numa comunidade civilizada. Serve de denominador mínimo comum, espelhando o princípio basilar da dignidade humana. Neste caso, não significa fingir que Israel é liderada por santinhos ou que o longo conflito entre Israel e Palestina não provocou uma brutalidade de mortes entre civis inocentes — de ambos os lados. Tal como não implica aceitar que a justa retaliação de Israel contra o Hamas isente as forças israelitas de combater no respeito do direito internacional humanitário. Tal como não implica, ainda, avaliar as reivindicações da população palestiniana pela bitola da actuação imoral do Hamas. A longevidade do conflito israelo-palestiniano alerta para a sua complexidade e deve fazer-nos evitar maniqueísmos. Contudo, não deve impedir-nos de, entre posições extremadas, afirmar o tal ponto de partida, que é realmente simples: perante a violência do Hamas, há que sentir empatia pelas vítimas, denunciar a execução de inocentes e ser-se intolerante para com o terror exercido sobre as populações.

Ora, este ponto de partida essencial falhou. Em manifestações por várias cidades ocidentais, incluindo em Portugal, milhares têm-se juntado para desculpabilizar o terror do Hamas, em nome de objectivos políticos, ideológicos ou religiosos. O que aconteceu este sábado em Israel foi terrível. O que assistimos desde então, em campanhas que visam justificar o injustificável, constitui um aviso sério de que a corrosão do princípio da dignidade humana já não está circunscrito à Faixa de Gaza. Os bárbaros também estão aqui.

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