Caminhamos a passos largos para o dia das eleições europeias. A agenda mediática exige de todos nós um mínimo de honestidade intelectual. União Europeia não é igual a Europa, todos o sabemos. Mas o empréstimo do adjetivo exige uma reflexão adequada sobre a substância: o que é a Europa?

“Europa”, como qualquer outra palavra, pode apenas ser isso mesmo, uma palavra, sem que a ela nada corresponda realmente. Negar que a Europa seja uma realidade é um discurso idealista, utópico, que obtém a sua consistência tão só na vontade que a postula.

Ao invés, indagar da realidade da Europa impõe uma consciência do tempo e da História que não se compadece com o idealismo do homem medida de todas as coisas. Nessa procura vou direta a Bento XVI, a um discurso de 2008, no Colégio dos Bernardinos, tendo como objeto as origens da teologia ocidental. Aquilo que fundou a cultura da Europa, a saber, o monaquismo ocidental na sua aparente “fuga do mundo” para procurar Deus e O escutar, é, ainda hoje, o fundamento de toda a cultura verdadeira.

A escolha de S. Bento não foi a de conservar o passado ou criar uma coisa nova. Foi algo mais simples: aqueles homens não quiseram fugir do mundo.  Num tempo como o nosso, de confusão, no qual nada parece permanecer, eles procuraram o que não passa, o definitivo. Foram além das coisas penúltimas, secundárias, praticando assim a atitude verdadeiramente filosófica.

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E por serem cristãos os monges não se meteram numa aventura num deserto sem caminho, em escuridão absoluta, numa qualquer ascese em roda livre. Deus estabelecera um caminho com sinalética, e era esse caminho que eles tinham que encontrar e seguir. Que caminho? A Sua Palavra. A procura de Deus levou assim a uma cultura da Palavra, da Biblioteca, e das Escolas, sempre ao seu Serviço:  para entender o caminho, e para o abrir.

S. Bento identifica o homem de cultura: não é o erudito mas sim aquele que funda o seu agir na consciência e conhecimento de Deus, o Deus de Abraão.

A Cultura verdadeira não é a erudição ao serviço de interesses ou de uma ideologia – vaidade, que obscurece a mente e oculta o essencial, sublinha Bento XVI – mas está ao serviço da Medida maior. A cultura tem na base as exigências da própria realidade.

A novidade do anúncio cristão não reside num pensamento, mas no facto da Revelação; não facto nu, ininteligível, mas antes um facto que é ele próprio o Logos, presença da razão eterna na nossa carne, no meio de nós. É um facto racional.

Rasgando a certeza grega de que os sábios não podem sujar as mãos com a matéria, Deus revelou-Se como Aquele que está sempre a trabalhar. E nisto radica a novidade judaico-cristã, a que dá devido valor ao nosso labor.

Os dias e as horas não se entendem como um eterno retorno do mesmo, mas antes são o lugar da novidade que o homem traz em si, permitindo assim afirmar a novidade radical da cultura judaico-cristã, uma cultura que ora e labora (as duas componentes do monaquismo ocidental).

Contudo, será necessária a humildade do homem para responder à humildade de Deus, que vem ao seu encontro.

Parafraseando Santo Agostinho que na sua obra Cidade de Deus desenvolve em XIX livros a tese de que “dois amores fizeram duas cidades”, podemos reconhecer que dois amores fazem duas europas. Uma europa sui e uma europa Dei, digamos. É claro e simples: ou A Europa se centra no homem ou a Europa se centra em Deus. O centrar-se em si mesmo sem qualquer raiz transcendente deu lugar a uma espécie de europa (s) ideológica(s). Ao invés só o centrar-se em Deus permite a construção sólida de uma sociedade, porque o trabalho do homem é visto com uma “imitação” de Deus, o Criador, sem O qual nada subsiste.

Ser homem na sua plenitude é assim trabalhar, aqui se dando uma distinção essencial entre a tradição grega e a tradição judaica.

O Deus grego não trabalha, deixa a Criação do mundo a um demiurgo, não pode sujar as suas mãos com a matéria. Por esta razão o trabalho físico é visto como algo inferior, próprio dos servos. O sábio, o homem verdadeiramente livre, dedica-se apenas às coisas espirituais.

O Deus judaico-cristão, ao contrário, trabalha sempre. É Jesus que o diz: “O meu Pai trabalha sempre, e eu também.” Deus trabalha?  Sim, Deus criou o mundo, e a criação ainda não está acabada.

O trabalho é assim um aspeto particular da semelhança entre Deus e o homem, ou seja o homem tem a faculdade e pode participar no operar de Deus na criação do mundo. O homem colabora.

Para que Deus seja encontrado é necessário um primeiro movimento, uma iniciativa do Logos, e é desse momento que participo, co-laboro. Como? Continuando com Bento XVI que não tinha papas na língua, colaboro com palavras e atos, num ethos colaborativo, um amor Dei, Memória d’ Aquele que ama primeiro. A filosofia é o humilde e grato amor da sabedoria que nos amou e ama primeiro, agora.