As eleições portuguesas podem esperar. Domingo próximo são as gregas que terão lugar e os seus resultados marcarão as sete outras eleições legislativas a realizar este ano na União Europeia. O Syriza – definido como um partido da «esquerda radical», seja lá o que isso for nos dias que correm – parece cada vez mais destinado a ganhá-las. Porém, com um máximo estimado de 30% dificilmente chegará a ter maioria absoluta, apesar do inverosímil bónus constitucional de 50 deputados que são atribuídos ao partido vencedor.
Ora, se bem percebi a incrível Constituição grega, o partido vencedor terá apenas 3 dias para formar Governo. Se não, é convidado o partido seguinte e, se este também não o fizer, virá um terceiro e, finalmente, novas eleições se nenhuma coligação conseguir constituir um governo com maioria no Parlamento, para não falar de um que seja capaz de fazer algo para tirar a Grécia do atoleiro profundo em que já se encontrava antes de apelar aos credores externos há seis anos.
No espaço de três dias não é evidente que o Syriza e o fragmentado parlamento grego, com sete partidos susceptíveis de eleger deputados, produzam o milagre que até agora não produziram. A saber, uma coligação governamental capaz de aplacar as exigências europeias e dos mercados internacionais em matéria de reformas económicas e de «cortes» financeiros, apesar de estes já terem dado lugar a um crescimento que Portugal ainda não conseguiu, e ao mesmo tempo aplacar a maioria da população grega que quer, simultaneamente, continuar no euro e não respeitar os critérios de adesão.
Ao cabo de seis anos, um segundo resgate, o perdão de metade da dívida inicial à «troika» e um empréstimo total três vezes e meia superior ao de Portugal para uma população idêntica, o Syriza pretende agora renegociar de novo a dívida, isto é, não pagar parte dela, e pedir mais umas dezenas de milhares de milhões de euros se e quando o Banco Central Europeu (BCE) definir o seu projecto de «flexibilização quantitativa» anunciado para quinta-feira, ou seja, pôr a máquina de fazer dinheiro a funcionar de modo a animar a economia europeia e impedir a deflação monetária. Resta saber se o próprio BCE conseguirá os seus objectivos.
As pretensões do Syriza constituem aliás um dos maiores óbices à decisão do BCE, pois é pouco verosímil que a Alemanha e muitos dos outros países da zona euro deem autorização ao BCE para entregar mais 40 mil milhões de euros – é a soma de que se fala – à Grécia. Inversamente, criar um programa de «flexibilização quantitativa» e negar a participação dos gregos nesse programa seria praticamente a mesma coisa que pô-los fora do euro – a tal «Grexit» – que é a coisa que eles menos querem. Por último, para quem quer acabar com o euro, os extremos tocam-se: não é o Syriza apoiado por Marine Le Pen?
Está, pois, instalada a maior das contradições e tudo leva a crer que esta não poderá subsistir durante demasiado tempo. Uma das primeiras formas de contornar este problema insolúvel poderá ser o protelamento da decisão do BCE até o eleitorado grego decidir qual das duas coisas odeia mais: a austeridade ou sair do euro? Merkel já mostrou há vários anos que acredita que os gregos escolherão o euro e são muitos os que concordam com ela. Mais uma vez, na Grécia como em Portugal e nos outros países que têm sido intervencionados (Irlanda, Espanha e até a Itália), a questão não é apenas económica e financeira, mas antes disso, política e governamental.
São os sistemas políticos destes países, com a fragmentação partidária, a compulsão pelo poder e a corrupção, que fazem crer aos seus eleitorados que podem ter a chuva no nabal e o sol na eira. Entre os países do sul da Europa, já elegantemente conhecidos antes da crise como os PIIGS, há diferenças de cultura e de organização políticas. Tipicamente, existe um contínuo político-cultural entre os alegados «porcos» que vai desde os que estão ainda marcados por guerras civis insanáveis até hoje, àqueles cujas culturas políticas são menos radicais ou, dito de outro modo, mais pragmáticas se não mais promíscuas.
No caso, estamos a falar da Grécia (com o Syriza, mas também com manifestações da extrema-direita) e da Espanha (onde se agita o fantasma parecido do «Podemos»), passando por Portugal (com os arremedos soberanistas do PCP e da velha «nova esquerda» dos «mini-Podemos», mas também com os Marinhos-Pinto) e pela Itália (com Grillo e os separatistas do Norte), terminando na Irlanda da qual deixou de se ouvir falar…
Foram as culturas políticas mais adversariais que produziram entre nós os partidos de «oligarcas», como lhes chama Rui Ramos. Tão sequiosos estes são de chegar ao poder, a fim de distribuir os despojos da governação entre eles e as suas clientelas, que não têm pejo em passar da propaganda eleitoral mais ideológica à mais rasteira «real politik», sem nunca explicar como pôr em prática as suas pretensas opções. Ora, conforme aquilo que suceda quinta-feira no BCE e domingo na Grécia, assim todo o sul da Europa deveria rever os seus objectivos acerca do futuro que ambiciona ter na UE e na zona euro para melhor esclarecimento dos eleitores!