Gostava de começar por dizer ao nosso Governo, e em particular às senhoras Ministras da Saúde e da Segurança Social, que pela parte da ANCC bastam 5 minutos de reunião (talvez nem tanto) para chegarmos a acordo, no sentido em que aceitamos, de bom grado, aumentar os salários dos nossos trabalhadores em 300€ mensais. Propomos, até para que não se macem muito, que este aumento seja igual para todos e não seja superior para as chefias. Vejam como até somos bonzinhos. Para tal, basta que aumentem a diária dos cuidados continuados de forma a recebermos por utente cerca de 600€ por mês (cerca de 20€ por utente/dia), isto porque o rácio é de 1,13 trabalhadores (em média) para cada doente e há que ter em conta também os descontos para a Segurança social da entidade empregadora nestes aumentos. Ah e já agora, façam o mesmo com o sector social em geral, incluindo a parte da educação. Para o próximo ano, ou daqui a dois anos como preferirem, pois não somos muito exigentes, podemos, também, chegar aos 600€ de aumento salarial mensal, depois é só fazer as contas (já lá dizia o Guterres) do que têm de nos pagar por doente.

Como já escrevi em artigos anteriores o “patrão” dos funcionários públicos é o mesmo dos cuidados continuados e do sector social. Isto é, é o Governo que decide os aumentos salariais da função pública e decide indirectamente os aumentos salariais do sector social. Ora, se o Governo não nos aumenta a receita, é impossível haver aumentos salariais e capacidade para suportar os outros custos de funcionamento que derivam da inflação.

Já desafiei os diversos Governos a criar um contrato colectivo de trabalho para estes sectores, com salários iguais à função pública. Assim, passa a controlar os salários directamente, para que não haja a desculpa de aumentarem as verbas a pagar às organizações que trabalham no sector social/cuidados continuados e depois estas não aumentarem os salários aos trabalhadores. Simples, não é? Basta haver essa vontade.

Há muitas pessoas a trabalhar nesta área que não têm aumento de salário há uma dúzia de anos (literalmente). São sobretudo licenciados que ganhavam acima do salário mínimo. Utilizei o tempo verbal ganhavam pois muitos já não ganham. Como os Governos, ano após ano, ou congelaram os valores a pagar aos cuidados continuados ou aumentaram, nalguns anos, em valores ridículos (como também aconteceu no sector social), as entidades apenas limitaram-se a aumentar o salário mínimo; não podendo aumentar os salários aos outros trabalhadores. Houve instituições, e dou como exemplo a minha, que tiveram de cortar algumas regalias para equilibrar as contas e evitar o prejuízo, bem como a consequente falta de sustentabilidade. O resultado destas políticas por parte dos Governos, é evidenciada pela esmagadora maioria dos profissionais que foram apanhados pelo salário mínimo, incluindo técnicos com formação superior. Em acréscimo, tem havido uma enorme sangria de recursos humanos a fugirem de trabalhar nestes sectores. A título de exemplo, existem organizações, a minha incluída, que têm vagas abertas há mais de um ano para Terapeuta da Fala, e não as conseguem preencher.

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Fico pois, espantado com a recusa de aumentos de 300€ mensais por parte de funcionários públicos, porque se acha pouco. Fico ainda indignado pelos Governos aumentarem significativamente, e nalguns casos escandalosamente, os funcionários públicos, quando para nós, apenas nos resta o salário mínimo, com a agravante de existirem muitas organizações com salários em atraso.

Já denunciei também que as diferenças salariais para as mesmas categorias profissionais entre público e sector social/cuidados continuados chegam a ser superiores entre 60% e 80% a mais para o público.

O sector social tem de se dar ao respeito, fazer-se respeitar e exigir do Governo tratamento igual a qualquer cidadão que vive debaixo de uma mesma constituição. Mas o(s) Governo(s) têm-nos discriminado, continuam a discriminar e isso não pode continuar.

A continuar assim, com esta discriminação entre cidadãos, vai criar fracturas ainda maiores na sociedade portuguesas e iremos ter uma sociedade cada vez mais dividida. Nomeadamente entre aqueles que trabalham e se afogam em impostos, contribuindo para sustentar tudo isto (incluindo os elevados salários e benesses de uma administração pública que presta cada vez pior serviço) e os trabalhadores do sector privado que têm salários muito inferiores aos do sector público, em concreto o nosso sector que está completamente dependente das decisões do Governo. Acresce ainda que um trabalhador que ganha o salário mínimo (729,80€ líquidos) leva para casa pouco mais do que um imigrante que vive de subsídios e não trabalha (590€ conforme se queixou um destes beneficiários em entrevista na RTP).

Ou os Governos são eles próprios justos e criam igualdade, ou então isto tem tudo para corre mal.