Há uma semana, escrevi sobre a falta de cumprimento por parte do Governo, relativamente ao Acordo de Compromisso para o Sector Social assinado pelo Primeiro-Ministro, no dia 7 de Dezembro de 2023, antecedido de uma cerimónia (acção de propaganda). Recordo que, nesse Acordo, o Governo comprometeu-se a actualizar os preços dos Cuidados Continuados até ao final do ano de 2023, actualização essa com base na inflação de 2022 para os preços de 2023 e na inflação de 2023 para os preços de 2024. Como também referi, o Governo atualizou apenas os preços de 2024 com base em valores próximos (não exactos) da inflação de 2023, esquecendo o ano de 2023 como se este não tivesse existido. Referi ainda que dos representantes do Sector Social, nem sequer houve uma palavra, ou um acto de condenação para com mais esta falta de compromisso por parte do Governo e em particular do Primeiro-Ministro, tal como já tinha ocorrido em 2017 e 2018 e ainda em 2021.

Pois bem, entretanto, no dia 29 de Fevereiro, aconteceu nova atualização com a Portaria 74/2024 de (certamente porque a Comunicação Social pegou no tema durante a campanha eleitoral e, modéstia à parte, graças às minhas denúncias). Sinto-me completamente só e isolado a lutar por este Sector, enquanto aqueles que têm “mais peso” do que eu e representam um universo maior de entidades, comparativamente àquele que eu represento, nada fazem e são subservientes ao poder político.

No entanto, esta actualização da Portaria 74/2024 teve anúncio antecipado por parte do senhor Presidente da União das Misericórdias Portuguesas (UMP) no domingo dia 25 de Fevereiro, em que, naquilo que interpreto como um acto de propaganda interna junto das várias Misericórdias, enviou esta mensagem: “foi hoje assinada uma portaria sobre a RNCCI para 2023 que retroage a Janeiro de 2023!!!! Um aumento de 2,4% para todas as tipologias… Não quero deixar de manifestar que o Dr…. Ministro da Saúde cumpre assim o que nos prometeu em sede de negociação e que demonstra o seu elevado conhecimento do setor e concretamente do momento q a RNCCI vive… trata-se de um esforço que se regista e saúda Do ponto vista UMP fica mais uma vez provado q vale a pena ser resiliente e demonstrar cm rigor as nossas posições… e deixar a evidência que as Misericórdias unidas continuarão a servir mesmo em tempos difíceis como os q vivemos”.

Confesso que não fiquei surpreendido, é mais do mesmo, algo que se tem verificado desde 2015, em que o Presidente da UMP defende o Governo perante todas as mentiras e trafulhices de incumprimento sucessivo para com o Sector Social e dos Cuidados Continuados. Isto é, o Presidente da UMP defende o Governo em vez de defender os interesses das Misericórdias que o elegeram para as representar. Aliás, a própria mensagem que envia assume isso mesmo, porque se assinou um documento com o Governo em que este se comprometeu a aumentar valores superiores àqueles que afinal são publicados, e escreve esta mensagem como uma conquista, no fundo está a assumir o seu enorme falhanço pois o Governo não o respeita, é uma “marionete”, um “vendido”.

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Estou indignado. Considero-me um Homem sincero e sou imensamente comprometido com o que digo e assino e a palavra e a honra são tudo para mim, não me imagino de outra forma e é isso que quero transmitir à minha família e àqueles que lidero na minha organização. Talvez por isso colecione inimigos, pois não faço qualquer tipo de cálculos de poder, não represento, não minto e sou completamente desprendido de qualquer tipo de protagonismo ou ambição pessoal. Ao contrário destes protagonistas que só se interessam pelo poder e em ocuparem cargos de destaque cheios de mordomias. Por isso questiono:

1. Então não é suposto o Governo cumprir o que assinou (e o Presidente da UMP também) no Compromisso para o Sector Social assinado a 7 de Dezembro de 2023?

2. Não ficou acordado um aumento de 7,8% para 2023 (e não de 2,4%)? A Portaria refere “um aumento de 2,4% em linha com o praticado para as respostas sociais das estruturas residenciais para idosos e lares residenciais”. Bem, a ser verdade o que está escrito, então para estar em linha com esse aumento deveria ser de 11% e não 2,4%. O aumento deveria ser pelo menos o acordado, pois só com esses valores se consegue acompanhar os aumentos salariais de todos os trabalhadores (e tal não é possível). Exemplo disto mesmo é uma greve (à data em que escrevo este artigo) de enfermeiros do sector público e social, em que os do sector público chegam a ganhar mais 80% do que os seus colegas do sector social e dos cuidados continuados.

3. O Presidente da UMP acha que o que se assina não é para cumprir? Afinal o que assinou não era para levar a sério? Contenta-se com um valor três vezes inferior aquele que assinou e acha isso fantástico?

4. Havia uma negociação secreta entre ele e o Governo para que os aumentos fossem, na prática, inferiores ao que foi assinado por quatro Confederações/Uniões?

5. Então e as assinaturas dos outros três membros das Confederações/Uniões em sede de negociação/Concertação Social não valem nada? Só a UMP é que decide?

Esta mensagem do Presidente da UMP é uma declaração de cumplicidade com o Governo e em defesa do seu incumprimento, um assumir de manifesta incompetência para liderar a organização daqueles que foi eleito para representar. Faça um favor a todos e ao Sector em geral: demita-se e dê o lugar a quem defenda verdadeiramente os interesses do Sector.

O Governo tem de vir a público explicar porque não cumpre o que assina; porque discrimina um Sector e os seus trabalhadores face aos demais; porque negoceia nas costas dos outros representantes. Por sua vez, as outras três Confederações/Uniões também têm de nos explicar qual a sua posição e porque permitem estas situações repetidas vezes.

Por fim, quero salientar que estes aumentos não são suficientes para suportar os custos nem cumprir a propaganda da “Agenda para o Trabalho Digno”. Está nas mãos do Governo fazer cumpri-la, mas para os Cuidados Continuados não dá condições financeiras para tal. O Salário Mínimo (e outros custos com bens e serviços, nomeadamente durante a Pandemia e em 2022 com o disparar dos preços do gás e luz) subiu bastante, mas os preços dos Cuidados Continuados, entre 2015 e 2024, apenas foram actualizados em 2019 (somente 2,2%), em 2022 e agora em 2024 (onde actualizam os de 2023 em 1/3 do acordado e tardiamente). Em suma, em dez anos tivemos seis anos sem aumentos, pode mesmo dizer-se que, para nós, a Austeridade começou em 2015.

Está na altura de acabar com a Austeridade deste Governo. Basta!

Uma última palavra para lamentar o facto de, até agora, nenhum Partido ter falado do Sector Social em geral e dos Cuidados Continuados em particular. Ambos de importância vital para a vida de milhões de Portugueses, mas que fica mais uma vez esquecido. Ninguém com responsabilidades políticas quer saber de nós, isto diz bem da classe política que temos.