Segundo o estudo encomendado pelo CES a investigadores da Universidade do Minho, há cerca de 100 mil portugueses com problemas de jogo por causa da raspadinha. Dramaticamente, são os pobres os mais prejudicados pelo vício, comprometendo os parcos rendimentos numa aposta que nunca compensa.

Ainda que preocupantes, as conclusões do estudo passaram mais ou menos despercebidas. É que, por uma daquelas pontarias que raramente acontece a quem joga na raspadinha, o estudo foi publicado na mesma semana em que começou o ano lectivo. E se 100 mil agarrados à raspadinha pode parecer muito, não é nada comparado com os milhões de portugueses que, este ano, arriscaram apostar os filhos na escola pública. Somos um povo que não tem medo das probabilidades. Provavelmente, porque não as sabemos calcular.

As chances de uma criança começar o ano com todos os professores e sem greves é equivalente a ganhar o primeiro prémio de uma raspadinha sem comprar o cartão. No primeiro dia de aulas, Lisboa parecia Las Vegas. Pais de olhos brilhantes, com os filhos pelas mãos, entram na escola e dirigem-se à secretaria para os trocarem por fichas. Este é o único jogo de azar em que é o casino que faz bluff: na televisão, vemos o Ministro da Educação a garantir que está tudo a correr bem, mas quando mostra as cartas é só duques. Professores há muito poucos.

Nas listas de material escolar que as escolas enviam aos pais, além dos cadernos e das canetas, agora também se pede uma almofada. Para os miúdos aproveitarem as aulas que não têm para dormir.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A raspadinha tem algumas vantagens sobre a escola pública. Na raspadinha, ao menos, só se raspa o cartão; já ao apostar na escola, um pai acaba com a cabeça toda riscada, de tanto a coçar preocupado. Depois, a raspadinha é opcional. Por maior que seja a compulsão de comprar raspadinhas, uma pessoa pode decidir parar. Já a escola é obrigatória. Não tendo hipótese de pôr o filho num colégio, os pais têm forçosamente de o inscrever na escola pública. Em vez de ficar no ensino privado, fica privado de ensino. É como ir à papelaria, não comprar uma raspadinha, mas o lojista obrigá-lo a jogar no totobola.

Começar as aulas sem metade dos professores, no seguimento de uma pandemia, de um ensino à distância com graves problemas informáticos, de um programa de recuperação de aprendizagens que precisa de um programa de recuperação da recuperação de aprendizagens e de um ano cheio de greves, é garantir que, no estudo que se faça daqui a 20 anos, o número de portugueses a desperdiçarem dinheiro na raspadinha vai triplicar. Aliás, os portugueses do futuro vão ter duas alternativas: ou estarão aqui a raspar, ou vão-se raspar daqui.

Quando eu andava na escola pública e um professor faltava, chamávamos a isso um “furo”. Passados mais de trinta anos, faltar um professor continua a ser furo, mas jornalístico. Faltar apenas um professor é uma notícia daquelas que abre o telejornal. Não faltar nenhum, é daquelas informações que não passam no escrutínio do fact checking.