“Mais de dois milhões de portugueses em risco de pobreza”
(INE, 2021)

A escalada de preço dos combustíveis parece não ter fim, favorecendo um clima de indignação que levou mesmo o governo a timidamente abordar a questão, ainda que contrariado (ainda há uns dias dizia o Primeiro-Ministro que “é uma política correta não dar o menor contributo para baixar a fiscalidade sobre combustíveis carbonizados, ponto final”.)

Não que a redução governamental de sexta-feira tenha tido efeitos para lá de segunda-feira, anulada com mais uma subida, mas tal passo atrás indignou o lobby da ação climática. “Tem de ser claro para toda a gente que a tendência é para os preços aumentarem” diz João Joanaz e Melo (GEOTA). O Ministro Matos Fernandes vai mais longe: “é um erro do ponto de vista da neutralidade carbónica”. E Francisco Ferreira (ZERO) completa o esclarecimento: “a transição vai doer muito nos bolsos dos portugueses”.

Nos últimos anos temos assistido a uma histeria em volta das alterações climáticas, pintando-se um cenário apocalíptico e apontando-se o seu combate como o maior desígnio da humanidade, o que é um manifesto exagero: nem só o fim do mundo não está ao virar da esquina, como a maioria das pessoas tem muitas outras coisas a tirar-lhes o sono. Mas para muita gente dizer isto não só revela negacionismo como imoralidade, já que põe em causa a nobreza da missão da luta contra a opressão do capital, que até se tem associado a outras bandeiras da esquerda identitária – feminismo, racismo, etc. – e vai ao ponto de se dizer preocupada com… os pobres.

Há aqui qualquer coisa que não bate a bota com a perdigota: então os portugueses – responsáveis por 0,17% das emissões globais – têm empobrecido com a estagnação do país nas últimas décadas, muitos deles vivem mesmo na miséria, e a solução é fazer-lhes doer ainda mais o bolso?

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Se Maria Antonieta tinha solução para a fome, “Que comam brioche”, também estes ambientalistas têm solução para os combustíveis: que andem de transportes públicos! O que esquecem? Esquecem que vivemos num país com défice na balança comercial e os produtos importados não vêm de burro; esquecem que as nossas exportações para a Europa também seguem maioritariamente por via rodoviária, vendo a competitividade dos produtos ameaçada; esquecem que mesmo dentro de portas, do pão à fruta, passando pela carne, pelo livro ou o jornal, o leite, a cerveja, o perfume, o casaco, o café, a lâmpada, a cadeira, a mesa, o papel, a porta, a recolha do lixo, a garrafa de água, a pastilha, o saco, o medicamento, o baralho de cartas, etc., tudo tem custos de combustíveis incluídos no preço, pelo que tudo, incluindo bens de primeira necessidade, fica mais caro; esquecem também as centenas de milhões de euros que têm sumido com algumas empresas de transportes públicos; esquecem até que grandes porções do país não têm transportes públicos, dependendo exclusivamente de automóveis para qualquer deslocação, e até para terem produtos à porta – das carrinhas de comerciantes que fazem rotas por aldeias rurais, encarecendo tais produtos aos poucos, pobres e velhos, que vivem fora das grandes cidades. É isto ajudar os pobres? Tanto quanto subsidiar jipes elétricos a ricos…

O problema dos pobres é… serem pobres. E o que a luta climática abomina e se tem radicalizado – a atual construção capitalista de uma modernidade que elevou padrões de saúde, bem estar, humanidade, conhecimento, etc. – é precisamente o que tem elevado muita gente da pobreza por esse mundo fora.

Mas outras ameaças pairam com o ataque à criação de riqueza. Lembram-se da austeridade que matava? Das greves, manifestações e cargas policiais em Lisboa? Da emigração e de dramas como o desemprego? Tivemos a experiência recente do que é decrescer. É dessa forma permanente que queremos viver? E que democracia sobreviveria a isso? Íamos todos votar em quem nos prometia empobrecer? Ou teria que ser por obrigação, acabando com a democracia em nome de um bem comum, o ambiente – por exemplo alguns movimentos revisionistas e anti-raciais assumem-no: essa luta é mais importante que a democracia… também esta causa o é? E porque era assim que conseguiríamos apostar na sua preservação?

Bem, a pobreza extrema da Venezuela tem mostrado como se consegue diminuir o consumo. É isso que é bom para o ambiente? Não. Dos desastres petrolíferos por infraestruturas decadentes, à exploração de minérios ilegal, controlada por gangues e terrorismo face a um governo impotente, passando ainda pela desflorestação para lenha para necessidades básicas como cozinhar, à falta de gás, já há quem lhe chame o “Desastre Venezuelano”, num país que há apenas duas décadas era considerado um exemplo a seguir pelas nações amazónicas.

As intenções deste radicalismo até podem ser as melhores do mundo, mas como sabiamente diz o povo, “de boas intenções, está o inferno cheio”