O momento não é próprio, mas sim oportuno. Pouco próprio porque nos preocupamos, à medida dos nossos gostos, interesses ou ambições com os Jogos Olímpicos, o papel da Procuradora Geral da República, os “novos” mandatários europeus ou, até, o destino de férias. Mas oportuno, porque num mundo em conflito, quer de tensões, guerras ou protecionismos, aqui também na Europa, olhar para o nosso território e melhor o saber ordenar e otimizar, é uma missão fundamental, de que não podemos alhear-nos.
Pois vamos começar com o recente relatório do Eurostat, que nos informa, relativamente a Europa e Portugal, em 2023, de uma ligeira redução do efetivo animal de cerca de 1%. De facto, pensa o prezado leitor, que tal não tem relevância nenhuma para o nosso conforto, mesmo que, na última década, as populações de todas as espécies de interesse pecuário tenham significativamente diminuído na UE. Dirão, até alguns, que será um sinal positivo para a conservação do solo ou a mitigação das alterações climáticas, dado as emissões gases de efeito estufa de que são responsáveis.
Também não interessará muito que, enquanto se reduzem as fontes de proteína animal fundamentais (salvo outras doutas opiniões) para a dieta do Homem, se deveria imaginar como alimentar os cerca de 448,4 milhões de europeus (2023), que aumentam a um ritmo de 0,8 milhões por ano (2005-2022), mesmo considerando a redução acentuada observada nos anos da pandemia.
Pois, enquanto aumentamos a população europeia reduzimos a disponibilidade de proteína animal, implicando aumento de importações de países terceiros e, consequentemente, aumento de pegada de carbono. Menos mediático, mas igualmente relevante, será a diversidade das regras de produção e bem-estar animal nos países terceiros, com implicações de segurança alimentar e saúde publica (como se observou recentemente com a contaminação pelo vírus da Hepatite A em vegetais oriundos de Marrocos), que não devem ser desvalorizadas.
Mas, olhemos com algum detalhe mais para o relatório e sua diferenciação, quanto a espécies animais e países. A população de bovinos na UE foi a que menos diminuiu, com um decréscimo de 5% (em relação a 2013), seguida dos suínos (-6%), ovinos (-9%) enquanto os caprinos registaram um acentuado declínio de 15%. Quanto a países, nos bovinos, Portugal destaca-se (-3%), num comportamento próximo dos países do Norte da Europa: Letónia (-6%), Lituânia, Estónia e Finlândia (-3%), tendência que se acentua nos recentes dados do INE (2024), com reduções percentuais ainda mais preocupantes.
Isto agora, dirão alguns, é que não interessa de todo. Mas permitam-me contrapor e manifestar a preocupação e a necessidade de reflexão e intervenção neste setor da economia nacional.
Desde logo, pelo território e o seu desenvolvimento harmonioso. Não será de estranhar a redução da população de pequenos ruminantes, que ocupa sobretudo zonas de montanha (caprinos) ou de interior e de solos mais pobres, e a sua relação próxima com a quebra demográfica do interior de Portugal. Territórios que se abandonam e desertificam, que empobrecem em biodiversidade e património genético, que não valorizam o uso do solo, a otimização de pastagens e o seu papel como sumidouro de carbono, transformam-se, enfim, em regiões que se esquecem, desertificam, enfraquecem e se entregam ao flagelo dos fogos (e suas consequências ambientais).
Ao mesmo tempo que desequilibramos o território, tornando-o menos coeso e justo, por outro lado, reforçamos a tendência de desequilíbrio da nossa balança alimentar, cujo défice (exceto bebidas) atingiu 5 512,7 milhões de euros em 2023, mais 315,1 milhões face ao ano anterior.
A redução da produção nacional (- 2,7 p.p) tem consequências económicas imediatas, como a da categoria das carnes representar o maior contributo (1 362,0 milhões de euros) para o deficit da balança alimentar, superando os cereais, pois a produção nacional (75,4%) é insuficiente para satisfazer o grau de aprovisionamento (119,6 kg per capita).
Mesmo que muitos de nós possamos agir ou pensar como flexitarianos (cerca de 9,3% da população) ou até vegetarianos (2,1%, em 2021), preocupados com uma dieta considerada excessiva e desequilibrada (4075 kcal/habitante), a verdade é que temos observado, simultaneamente, o aumento de consumo de carne (particularmente aves, mas também bovino) e a redução dos efetivos nacionais.
Território, biodiversidade, ambiente, economia, agricultura, alimentos, dieta. Poderiam ser key-words de um artigo científico, mas é muito mais, são pessoas, é vida, é Futuro. E para esse muito Futuro, que não interessa nada, com o pragmatismo de olhar o fundamental e esquecer o acessório, uma descriminação positiva tem de ser integrada na Politicas Publicas setoriais.
Estando num espaço livre de liberdade, soluções fundamentalistas de proibir o consumo de carne, felizmente, ainda não se debatem. E, assim, com o aumento de população, um território mais coeso e a necessidade de melhor dieta (mais equilibrada), iniciemos um processo de maior incentivo e abertura a investimentos do setor primário (também do agropecuário), particularmente em territórios do interior, que cumpram todas as diretrizes ambientais, e contribuam para o desenvolvimento das regiões e fixação de populações (nomeadamente quadros qualificados, muitos dos quais formados no interior).
Captar investimento no agroalimentar, e sobretudo, agilizar licenciamentos (que se prolongam, tantas e tantas vezes, de forma interminável entre pareceres e questões), necessita-se para transformar este setor num referencial de dinâmica e competitividade nacional. Os números confirmam. O investimento do setor primário e do agroalimentar não pode ser menorizado perante outras áreas económicas, mesmo porque este traz um fator essencial de suporte de todos os outros: o alimento.
Nada disto interessa quando podemos ir adquirir o alimento a qualquer cadeia de (grande) distribuição. Mas será que, simultaneamente, não devemos deixar que a utopia passe a realidade e consumamos o que é sinónimo de território e desenvolvimento, demografia e qualificação, preservação de recursos e autenticidade, qualidade e valor, enfim, orgulho pelo nacional e solidariedade entre portugueses?