Neste momento emotivo, na repercussão da tragédia da Agrela, uma reflexão (a mais serena possível) deve ser feita sobre o papel de cada interveniente e respetivas responsabilidades, de forma a que esta nunca mais se repita. Não pretendo ter o saber de julgar ou condenar, mas não posso deixar de manifestar a minha surpresa perante a facilidade na acusação e a incompreensão das estratégias consequentes, imediatistas e pouco sustentadas que, aliás, vão contra as boas práticas nos países que mais se preocupam com os direitos dos animais.

É verdade que muito tem mudado, felizmente, na relação da sociedade com os animais de companhia (e não só), numa dinâmica que os organismos competentes deveriam ter acompanhado, sido preparados e reforçados para uma nova abordagem e intervenção. O abandono não é da responsabilidade da Administração Pública, mas sim de uma sociedade ou comunidade que não está, tantas vezes, preparada para estar comprometida com um animal (não só de estimação, pois o abandono é mais lato). A Administração Pública, neste caso a Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV), tem como responsabilidade primordial educar, formar, dar condições, assegurar as condições de saúde e bem-estar, fiscalizar…

E a DGAV fiscalizou e interveio, em particular em 2012, mas também posteriormente. Recordo que 2012 foi o ano de reestruturação da DGAV (na linha das recomendações europeias e de alinhamento como autoridade competente de saúde animal, fitossanidade e segurança alimentar). Eram tempos particularmente difíceis, que nos tinham aproximado de um embargo aos nossos produtos alimentares, por não cumprimento dos planos de controlo, mas, mesmo assim, 2012 foi um ano particularmente ativo no domínio do bem-estar animal. Portugal cumpriu a diretiva comunitária relativamente às galinhas poedeiras (nesse ano, recuperou-se o atraso de dez anos e evitou-se a sanção comunitária) e procedeu-se, entre outras ações, a um levantamento das condições sanitárias e de bem-estar dos diferentes Centros de Recolha Oficiais e outros abrigos.

Nessa intervenção da DGAV, este foi um dos diversos canis visitados e cuja decisão de encerramento foi motivada em função da auditoria realizada. Esta estratégia permitiu, por outro lado, instalar Centros de Recolha Oficiais (CRO) municipais ou intermunicipais, de forma mais célere, em vários municípios, mas (infelizmente) não em Santo Tirso.

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Mas esta, a de criação de CRO, não pode ser a única solução para um problema mais profundo. Com efeito, políticas de controlo reprodutivo animal e de adoção, bem como de detenção responsável, são fundamentais para eliminar (ou pelo menos minimizar) a origem desta tragédia, estratégias que deveriam ser complementares à legislação de 2016 sobre eutanásia, um avanço da sociedade a que todo nos devemos associar.

Esta política de bem-estar (sem descriminar espécies animais) e consequente enquadramento legislativo deveria ser monitorizada através de uma Provedoria do Animal, na dependência orgânica de num ministério ligado à Presidência ou à Justiça. Complementaria, ainda, a manutenção da coerência e eficácia dentro do organismo competente – a DGAV -, na implementação de políticas e estratégias relacionadas com Saúde e Bem-Estar Animal, Identificação Animal, Saúde Pública, que, sem coordenação, serão um enorme retrocesso técnico, científico, ou mesmo, civilizacional. A decisão não deve ser fruto do momento e da emoção, mas sim do planeamento e do conhecimento, para que seja útil e persistente.

Claro que partilho das preocupações em ter uma DGAV mais presente, mais próxima da sociedade e dos seus parceiros, mais eficaz, menos burocrática. Reconheço a sua importância nacional e o contributo para o papel exportador do sector agroalimentar. Felicito pelo trabalho na erradicação recente da BSE (e melhoria do estatuto sanitário do país), como anteriormente em várias zoonoses, no combate a pragas fitossanitárias, no contributo fundamental para uma alimentação segura dos portugueses, pela preocupação na Saúde e Bem-Estar de todos os animais.

A DGAV pode fazer mais? Com certeza que muito mais, mas em vez de a eutanasiar, recuperem os seus sinais vitais e reforcem a sua saúde e bem-estar, que é o de todos os portugueses.