Ninguém quis saber o nome do motorista Tiago em cujo colo os vândalos depositaram um cocktail molotov. O autocarro pegou fogo e Tiago também. Está internado em estado grave no Hospital de Santa Maria, e já sabemos que as queimaduras pelas chamas lhe vão deixar lesões para o resto da vida.
Como também ninguém quis saber o nome dos donos de vários carros que Odair Moniz, cabo-verdiano imigrado em Portugal, cadastrado por crimes de especial violência, e, segundo os peritos da televisão, “uma pessoa querida na comunidade”, abalroou para fugir à polícia. A morte dele deu pretexto à orgia de brutalidade primária e colectiva que incluiu o incêndio de vários carros particulares, caixotes do lixo, pneus expressamente “adquiridos” para o efeito, e dois autocarros da Carris, um deles conduzido pelo malogrado Tiago. Ao longo dos dias e noites seguintes a selvajaria afectou seis concelhos da Área Metropolitana de Lisboa, com brutalidades registadas em sessenta esquadras de Lisboa, Loures, Amadora, Sintra, Cascais e Setúbal.
Tudo começou entre o Zambujal e a Cova da Moura, de um lado e do outro do famoso IC19, às portas de Lisboa. Concelho da Amadora. Dois bairros reconhecidamente problemáticos há décadas, com reputação de violência e criminalidade. Aconteceu na Amadora mas podia ter acontecido aqui, num dos vários bairros dentro da cidade de Lisboa que são bombas-relógio de instabilidade e criminalidade.
Bairros sociais como o Portugal Novo, perto das Olaias; ou como a Quinta do Cabrinha e a Quinta do Loureiro, na fronteira entre as freguesias de Alcântara e de Campo de Ourique, onde os moradores e comerciantes desesperados suplicam por protecção contra roubos, assaltos, agressões, consumo e tráfico de droga. Ou bairros históricos do centro de Lisboa, como a Mouraria, na freguesia de Santa Maria Maior, cujo presidente da junta, Miguel Coelho (PS), organizou há uns meses uma reunião aberta no Hotel Mundial para chamar a atenção dos jornais e para os moradores se queixarem publicamente de agressões, homicídios, violações, consumo e tráfico de droga, e medo generalizado.
A Mouraria é um bairro com grande densidade de imigração, principalmente da Índia, do Nepal, do Paquistão e do Bangladesh, onde Fernando Medina prometeu construir uma mesquita que a extrema-esquerda continua a exigir. Ainda na terça-feira da semana passada voltaram a exigi-la na Assembleia Municipal. Um erro grave, se algum dia vier a ser cometido, já que acentua o carácter de gueto do bairro. Guetos e violência andam sempre de mãos dadas.
Com as notícias dos desacatos na Amadora desfilaram na televisão criaturas a proclamar “humanismo” e solidariedade com a “comunidade negra”. E a execrar o “racismo”, os “excessos policiais”, e as perspectivas de “políticas securitárias”. Outras criaturas discutiram se o Chega “ganhou” ou não “ganhou com isto”, e se André Ventura conseguiu ou não “capitalizar”, ignorando olimpicamente a substância do problema. Para essas criaturas, o mal não estava nos tumultos, nos incêndios, nos danos, nas agressões, na insegurança dos bairros pobres ou no futuro de Tiago: estava na possibilidade de uma parte do país reconhecer que o Chega tinha razão.
Certo é que a violência cresceu nesses bairros e agora os governantes locais pedem polícia. O que sabemos sobre a polícia?
Sabemos o seguinte. Tem falta de viaturas; as escalas de serviço não conseguem patrulhas de 24 horas; não há polícias em número suficiente para assegurar o funcionamento das esquadras; não se consegue recrutar novos polícias porque os concursos ficam vazios. E porque ficam vazios os concursos? Porque os candidatos não conseguem pagar renda de uma casa em Lisboa com o valor do salário que o concurso oferece. Faltam polícias em idade adequada. A maior parte dos polícias tem mais de 55 anos. Faltam meios e equipamentos para os que existem poderem trabalhar.
Por outras palavras, o Estado português está-se a desfazer. Não temos excesso de polícia, temos falta. Se houvesse mais polícia os criminosos não tomavam conta dos bairros e a criminalidade não chegava a este ponto. A falta de segurança é o primeiro factor de exclusão social para as pessoas com vidas difíceis que moram naqueles bairros. O Estado português tem cada vez menos meios para assegurar as sua funções fundamentais e os desacatos na Amadora são os resultados a tornar-se visíveis. Em vez de identificar a raiz do problema, é mais fácil exibir “humanismo”.