Este Natal é triste. Estamos a tentar adornar o desânimo com o nosso melhor sorriso quando quase tudo o que nos rodeia é angustiante e aflitivo. Mas quantos Natais já viveu com alguma espécie de tristeza? Ou quer que acredite que foi feliz todos os anos?

O Natal é uma época bipolar e que nos desorganiza psicologicamente, há que dizê-lo com frontalidade, sem delicadeza ou falsos moralismos. Felizmente só nos apercebemos disso quando chegamos a adultos. Nele mora uma perversidade que deambula entre o conforto da proximidade e a dor da ausência. É a mais ambígua das festas e pode ser verdadeiramente penosa para alguns.

Se há quem o queira viver com entusiasmo e fulgor, também há quem deseje passar ao lado da alegria forçada, do quadro da família perfeita, das memórias carregadas ou da falta delas. A sua história tem com certeza capítulos de Natais mais ricos e de outros mais pobres, com a sombra de uma morte recente ou a luz de um nascimento. A árvore já brilhou com enfeites criteriosamente dispostos ou inversamente, andou dias a ganhar coragem para equilibrar a estrela no topo. Anos com a mesa recheada de amor ou aquela consoada que passou numa cabeceira solitária a carpir as dores de um ano difícil. Ainda se lembra?

Desta narrativa do final de dezembro é impossível sair ileso. Valerá a pena sobrevalorizar? Exige tanto de nós, muitas vezes o que não queremos, para o que não estamos disponíveis. Tira-nos tempo, acrescenta-nos trabalho, vira-nos a casa. É certo que também nos traz aquela magia que ninguém sabe bem explicar, que é tão breve no calendário, mas que permanece uma eternidade no nosso álbum dos dias bons.

O Natal é emocional. O meu avô morreu na véspera. Ninguém devia morrer no Natal, simplesmente porque é a pior altura para se morrer. A dor agiganta-se, cola-se à data e perpetua-se. O Natal deixa de saber… a Natal. Uma mão quente na nossa face não se substitui com os presentes dos que estão ausentes. Tudo ganha outra dimensão, uma intensidade inconsciente, um significado suplementar: um toque na traseira do carro, a encomenda extraviada, o bacalhau salgado, quem se atrasa para a ceia. Faz-nos perder a paciência e correr sem razão. A frase “já me estragaram o Natal” faz sentido, porque todos procuramos dias perfeitos, leves e ternos como a casquinha do leite creme.

O Natal devia ter sempre primos em abundância, lugares a menos, barulho a mais, lareiras vivas e quentes, filmes que sabemos de cor, mãos sábias e pacientemente debruçadas em panelas fumegantes, só que às vezes não tem nada disto, mas não deixa de acontecer. É mais teimoso que uma nódoa de tinto numa toalha de linho, fica para sempre, para o recordamos no bem e no mal. São estas as marcas de felicidade em forma de brinde que vai querer repetir, com toda a força, num ano melhor. Para já sossegue… sim, é Natal, sim, é a mais fraterna das celebrações, mas não se sinta obrigado a estar feliz.

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