Contrariamente ao que se julga, a famosa citação de Keynes sobre o longo prazo não termina em “estamos todos mortos”. Na frase seguinte, também muito útil, John Maynard acrescenta, numa tradução livre: “Os economistas impõem a si mesmos uma missão demasiado fácil, demasiado inútil, se em épocas turbulentasnos conseguem dizer que quando uma tempestade termina, o oceano fica novamente calmo”.

Na segunda citação, porventura menos memorável, Keynes convida os economistas a serem úteis em crises, contribuindo para a conversa com mais do que banalidades ou, pelo menos, com uma tentativa de fazer melhor.

É um excelente conselho, que com o tempo se tornou relevante para lá da economia. Num mundo em que as previsões e métricas são impressionantes, continua difícil saber como trazer algo mais para o debate e, pior ainda, agir durante a tempestade.

Em Davos, possivelmente no intervalo das reuniões secretas onde se decidiu o futuro da Humanidade, surgiu no debate sobre os dados do momento uma narrativa surpreendente: e se a Europa estiver a ser mais resiliente do que se pensava?

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Com as promessas de incerteza para 2022, justificadas pela guerra, as sanções e a inflação, instalou-se a ideia de que a Europa estava condenada a tormentas infinitas, incluindo uma recessão, racionamentos de energia e outros bens e uma subida dos preços que tornasse a vida insustentável.

As previsões desastrosas – mais ou menos científicas – acumulavam-se, com alguma razão. Nos últimos anos, a série de crises ou problemas a que a União Europeia (mais do que a Europa) falhou a responder é tão extensa que não pode ser totalmente detalhada aqui. Imigrantes, Brexit, populismos e até a pandemia serviram para consolidar a visão de um corpo político em declínio, destinado a discordar até chegar a acordos frágeis e insuficientes, adiando problemas para uma momento vago do futuro.

Tornou-se verdadeiramente difícil acreditar em boas notícias no futuro da Europa. Instalou-se um pessimismo de raízes profundas, notável mesmo quando o bloco conseguia alguns progressos. Mas, até agora, nada disso se verificou e as previsões originais para a economia estão ser corrigidas em favor dos países europeus.

A confirmar-se essa aparente resiliência europeia, para insistir no chavão de Bruxelas, ficaria validada a ação que se seguiu às previsões e a União poderia sentir-se novamente confiante para enfrentar um mundo que lhe é hostil. Só por si, essa seria uma novidade suficientemente relevante para mudar a estrutura da política internacional.

No entanto, as boas previsões não garantem um futuro melhor, pelas mesmas razões que levaram as más previsões a não se verificar. Primeiro, porque continuam a ser apenas previsões e não são assim tão boas; para a União Europeia, que tem problemas de convergência económica, produtividade e níveis de dívida em muitos Estados-Membros da periferia, anos de estagnação ou crescimento anémico podem acentuar os seus problemas estruturais. Depois, porque os números para a União Europeia escondem divergências nacionais e a situação atual é particularmente prejudicial para a Alemanha, que pode ser forçada a adotar um novo tom na sua relação com a Europa, a América e a Rússia que pode não agradar a todos os europeus.

Finalmente, as boas notícias, servindo como novos dados, podem incentivar um relaxamento das soluções que permitiram chegar aqui, da subida dos juros para valores historicamente alinhados até à reforma do mercado interno. Como sempre, não há boa notícia que exclua a hipótese de, no longo prazo, estarmos todos mortos.