Em tempos mais simples, os bancos suíços e as autoridades russas eram exemplos de força. Durante muito tempo, a Europa inteira estremecia perante a imagem de banqueiros suíços, imaginando-os envolvidos em operações rentáveis e obrigatoriamente opacas, acessíveis apenas a quem menos precisava da sua rentabilidade. Algo semelhante acontecia com o poder da Rússia – com a exceção, porventura, de um curto intervalo nos anos 90 –, uma comunidade também pouco transparente que parecia mover-se em séries temporais mais longas, ao seu próprio ritmo, sem obedecer à lógica política do resto do continente e, numa palavra, rija.

Esses tempos ainda existiam há uma semana. O fim começou com a emergência bancária mais aguardada da história, quando os depositantes do Credit Suisse se apressaram a deixar de o ser e o banco esgotou as garantias de  liquidez das autoridades suíças. Sem alternativas além da nacionalização ou liquidação, o UBS, histórico rival helvético, foi convidado a negociar uma aquisição que se fez num fim de semana e que, segundo o Financial Times, teria há vários meses um playbook preparado pelo comprador para que pudesse ser rapidamente implementada quando o momento inevitável da sua concretização chegasse.

Em resultado dessa aquisição extraordinária, onde antes havia a banca suíça existe agora um banco suíço. Para um país com metade do território português, ter apenas um banco enorme (o quarto maior do mundo em termos de ativos sob gestão) deverá ser mais difícil de supervisionar, trocando o perigo conhecido dos banco too big to fail pelo risco do banco too big to save. Para a nova fragilidade suíça acresce a circunstância de ter sido o seu banco central a forçar um negócio que imputou perdas históricas a acionistas institucionais relevantes, que incluem bancos do Médio Oriente e fundos de pensões europeus, o que não ajuda as relações externas nem a promoção do setor financeiro.

Para a União Europeia, a ideia de uma crise bancária deixou de poder ser encarada como possível de conter em alguns bancos regionais americanos. Depois de anos de resoluções, resgates e restruturações, fomos lembrados de que as crises que envolvem bancos são sempre crises de perceção, o que torna impossível falar em países a salvo. Nos próximos meses, o Banco Central Europeu vai ter de descobrir uma política monetária que simultaneamente combata a inflação e salvaguarde o setor financeiro da fragilidade internacional, uma operação ainda sem playbook.

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A ideia de uma tendência de declínio que finalmente se manifesta de forma desapontante foi também evidente no segundo grande acontecimento da semana. Numa segunda aquisição contrariada de um ativo histórico em dificuldades pelo seu rival de há muitos anos, Xi Jinping esteve em Moscovo para anunciar a incorporação chinesa da economia russa e Vladimir Putin, até há pouco tempo um grande defensor da autonomia e sobrevivência nacionais, parecia incrivelmente satisfeito por estar a vender com desconto.

Um ano depois da invasão falhada da Ucrânia, Putin tem agora um mandado de captura internacional, vende energia abaixo do preço de mercado e conta com um aliado mais comprometido com o seu estatuto internacional do que com o combate ideológico contra o Ocidente. O encontro de ambos foi pensado para mostrar ao mundo que a Rússia precisa da China e que a China preferia estar a fazer outra coisa, mas não vai rejeitar a oportunidade. Não foi uma lição de orgulho nacional, mas provou que a Rússia ainda tem um amigo poderoso e que a China pode encontrar para si uma posição no mundo a partir da guerra ucraniana.

Para uma semana, os prejuízos ao que antes tomávamos por certo são substanciais. Do ponto de vista europeu, a exposição à finança suíça e à existência russa implicam um risco de contágio. Apesar da bonomia das declarações em público, é provável que Lagarde ande a dormir menos bem com a hipótese de um grande resgate bancário e o descontrolo da inflação e que Scholz e Macron temam que a estratégia coletiva europeia esteja a criar condições para uma dependência total da América, onde há eleições presidenciais daqui a um ano.

Ainda assim, a crise de um vizinho é sempre preferível a uma crise interna. O Banco Central Europeu pôde continuar a aumentar a taxa de juro de referência e a oferecer comunicados em vez de resgates impopulares. Os Estados-Membros da União Europeia avançaram na compra conjunta de munições, uma novidade que faz sentido e anima a ideia de autonomia europeia, mesmo que os vendedores venham a ser americanos e não franceses. Para a Europa, o que pode acontecer ainda é mais grave do que aquilo que já aconteceu.