O Conselho Europeu desta semana acabou outra vez sem acordo relativamente à atribuição dos fundos europeus. Os governos da Polónia e da Hungria usaram o seu direito de veto no acordo sobre o orçamento plurianual e o plano de recuperação, que requer unanimidade, para impedir serem penalizados financeiramente pelos ataques ao Estado de Direito. Infelizmente, quem fica mais a perder com este braço de ferro são os países mais frágeis, entre os quais se encontra Portugal.

Apesar da propaganda milagreira do Governo socialista desde 2016, a triste realidade é que Portugal não criou nos últimos anos as bases para crescer sustentadamente. Isso não teria evitado a recessão grave provocada pela pandemia, mas poderia ter evitado que fosse dos países que mais sofreu com a pandemia. Entre os vinte Estados-membros que reportaram dados para o terceiro trimestre, Portugal sofreu a quarta maior queda homóloga do PIB: -5,7% face ao terceiro trimestre de 2019.

Infelizmente, como o Governo navegou à vista nos últimos cinco anos, ficou também sem condições para apoiar as empresas e as famílias nos momentos desesperados que atualmente vivem. Um estudo recente do think tank Bruegel mostra que o apoio direto à economia em Portugal até ao final de outubro foi de 2,5% do PIB de 2019, o terceiro mais baixo entre os doze países que analisaram. No top três encontram-se os Estados Unidos, com 9,1%, a Alemanha e o Reino Unido, com 8,3%. Na análise que a Comissão fez às propostas de orçamento dos Estados-membros da União Europeia, divulgada pelo Observador esta semana, em 2020 a despesa relacionada com o combate à pandemia em Portugal está estimada em 2,8% do PIB, a segunda mais baixa depois da Finlândia.

Em 2021, o Governo conta com os fundos europeus para financiar uma parte substancial do apoio à economia. Segundo a análise da Comissão Europeia, a proposta orçamental do Governo prevê que as novas medidas de despesa para combater os efeitos da pandemia atinjam 2% do PIB, dos quais 0,7% serão financiados pelos novos fundos REACT-EU e Fundo de Resiliência e de Recuperação, cuja aplicação pode ficar comprometida se não houver acordo na União Europeia.

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Isto não quer necessariamente dizer que Portugal ficaria sem acesso a fundos europeus em 2021. Sem acordo, o Tratado prevê que o orçamento de 2020 seja aplicado em duodécimos em 2021 até haver acordo. Seria também possível chegar a um acordo parcial sobre o orçamento plurianual, embora essa seja uma possibilidade mais remota, porque tecnicamente mais complicada. Mas qualquer das hipóteses implicaria uma redução dos fundos com os quais o Governo conta para fazer face a uma pandemia, que deverá continuar a ter efeitos muito nocivos para a economia, pelo menos na primeira metade de 2021.

O pára-arranca que iremos viver nos próximos meses não desaparecerá de um dia para o outro com uma vacina. É provável que demore algum tempo até as famílias e as empresas recuperarem a confiança suficiente para retomar os investimentos e aumentar o consumo.

Em Portugal, infelizmente, os sinais apontam para uma recuperação lenta, uma capacidade de apoio do Governo menor do que noutros Estados-membros e uma maior dependência de um acordo sobre os fundos europeus. E isto tem uma consequência grave. Com a sua inoperância, o Governo socialista, que tanto comenta os populismos de direita em Portugal, encontra-se incapaz de criticar populismos e ataques ao
Estado de Direito efetivamente implementados e concretizados numa minoria de Estados-membros da UE, dos
quais depende agora o acordo sobre os fundos europeus de que Portugal, mais do que os outros, precisa.