1Vencedores

Desta vez não há dúvidas: António Costa (PS) ganhou mesmo as eleições — e por larga margem. Face a 2015, ficou, de facto, em primeiro lugar, porque teve mais votos (mais 124.395 votos), maior percentagem de votos (32,38% contra 36,65%) e mais deputados (mais 21, sem contar ainda com os círculos da emigração). O PS sai claramente das legislativas de 2019 como o único partido que teve algo a ganhar com a Geringonça e está numa posição relativamente confortável para gerir acordos pontuais com as forças partidárias que lhe derem mais jeito para governar. O “relativamente”, como o caro leitor vai já ver mais abaixo, não é por caso.

O segundo vencedor da noite é indiscutivelmente André Silva (PAN). Mais do duplica a sua votação (passa de 74.752 votos para 166.854 votos), quadruplica o seu grupo parlamentar (passa de um para quatro deputados) e poderá aumentar a sua influência no xadrez político como parceiro fundamental para o PS de António Costa. Mal preparado noutras áreas, conseguiu focar a sua campanha na emergência climática que atraiu um eleitorado essencialmente jovem.

Finalmente, os três novos partidos na Assembleia da República. A Iniciativa Liberal de Carlos Guimarães Pinto consegue eleger o seu cabeça-de-lista por Lisboa (João Cotrim Figueiredo) e falhou por pouco a eleição do líder no Porto. Criatividade e propostas de rutura, assim como uma política de comunicação agressiva quer nas redes sociais, quer nos outdoors, deram-lhes notoriedade e eleitorado. O Chega de André Ventura elege um deputado com uma votação muito concentrada nas cidades dos arredores de Lisboa com problemas de segurança e o Livre de Rui Tavares recolhe os louros pela visibilidade conseguida pela candidata Joacine Katar Moreira.

2Vencidos

O CDS de Assunção Cristas consegue o pior resultado da sua história com apenas 4,25% e 216.448 votos, superando os resultados históricos negativos de Adriano Moreira (4,43% dos votos e mais de 250 mil votos). É verdade que Cristas consegue eleger mais um deputado do que em 1987 e 1991, anos das duas maiorias absolutas de Cavaco Silva, mas não há volta a dar: é um resultado muito mau. Cristas decidiu, e bem, sair de cena.

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Rui Rio não teve a coragem para tomar uma decisão semelhante à de Cristas. Diz que vai ponderar se se recandidata ou se afasta. Com 1.420.553 de votos que representam 27,9% dos votos, Rio conseguiu ter pior resultado do que o ex-primeiro-ministro Pedro Santana Lopes teve em 2005 contra José Sócrates e teve menos votos do que Carlos Mota Pinto em 1983 (cerca de 1 milhão e 500 mil votos) mas uma melhor percentagem dos votos (27,9% de Rio contra 27,2% de Mota Pinto).

A CDU e o Bloco de Esquerda viram também uma parte do seu eleitorado base desaparecer. A CDU de Jerónimo de Sousa perde mais de 100 mil votos (cerca de 115 mil para ser mais exato), enquanto que o Bloco de Catarina Martins deixa fugir cerca de 60 mil votos para o PAN, Livre e outros. O Bloco reduz o seu peso eleitoral (9,67% contra 10,22%) mas mantém o mesmo número de deputados (19).

Por último, a Aliança de Pedro Santana Lopes não atinge o seu objetivo de entrar no Parlamento e é claramente ultrapassado pela Iniciativa Liberal e pelo Chega. Lopes só conseguiu obter 0,77% e 39.316 votos. Numa situação normal, isto ditaria a morte política de Santana Lopes mas o ex-primeiro-ministro já ressuscitou no passado a resultados tão adversos como este. Um caso para acompanhar.

3Como será o Governo do PS?

Não há dúvidas de que António Costa deverá ser indigitado como primeiro-ministro pelo Presidente Marcelo Rebelo Sousa. A mesma clareza, contudo, não existe para viabilização do Executivo liderado por Costa. É verdade que o PS reforçou a votação (mais de 120 mil votos do que em 2015) mas há aqui dois problemas:

  • Jerónimo Sousa disse este domingo que não iria repetir a Geringonça, colocando a CDU de regresso à sua origem: a rua e o protesto contra o patronato. Na lógica do PCP, é uma forma de recuperar a influência política perdida. E o Bloco colocou duas condições para continuar a apoiar um governo minoritário do PS que, do ponto de vista prático, não são minimamente aceitáveis para António Costa: acabar com o fator de sustentabilidade da Segurança Social (que foi criado pelo próprio PS) e reverter a privatização dos CTT (que já foi rejeitada pelo PS na última legislatura).
  • Mesmo que o PS eleja três deputados nos dois círculos da emigração que ainda falta apurar, os hipotéticos 109 deputados socialistas + os 5 deputados do PAN e do Livre dão uma soma de 114 deputados, pelo que não chegam para atingir maioria absoluta de 116 deputados. Daí a preocupação de António Costa em não atacar nem a CDU nem o Bloco de Esquerda no seu discurso de vitória. Falou em “consolidação” quando Costa sabe obivamente que as votações desceram.

Portanto, vamos assistir nas próximas semanas a um espetáculo de encenação política sobre a aprovação da programa do Governo e do Orçamento de Estado para 2020, em que António Costa vai tentar responsabilizar ao máximo o PCP e o Bloco de Esquerda por qualquer tentativa de instabilidade política — para pressioná-los a aprovarem aqueles dois instrumentos políticos essenciais para o Governo.

Ficou mais do que provado que só houve um partido que lucrou claramente com a Geringonça: o Partido Socialista. A coligação liderada pelo PCP foi claramente prejudicado e o Bloco perdeu votos para o próprio PS, PAN e Livre. Por outro lado, vêm aí tempos de abrandamento económico e, até mesmo, de recessão. Por isso mesmo, não vai haver grande folga orçamental para financiar os presentes sempre generosos que Bloco e PCP querem dar aos seus respetivos eleitorados. Aos bloquistas e comunistas também interessará manterem-se fora de um novo acordo para poderem responsabilizar à vontade o PS por um eventual regresso da recessão económica.

4O futuro do centro-direita

A declaração de derrota que Rui Rio fez este domingo é todo um tratado sobre como a cegueira política, misturada com fanatismo quase religioso, pode prejudicar de forma estrutural um partido fundador da democracia portuguesa, como é o caso do PSD. Rio recusa-se a perceber que a sua estratégia de oposição, alicerçada numa forte benevolência para com o PS, foi fortemente censurada pelo eleitorado tradicional do PSD. Tal como rejeita qualquer espécie de auto-crítica ou responsabilização sobre o terceiro pior resultado da história do PSD, sendo o mesmo o pior resultado do partido desde 1985. Em certos momento, o seu discurso parecia o de António Costa: ‘a culpa não é minha, é sempre dos outros’.

Por isso mesmo, qualquer espécie de refundação do centro-direita em Portugal só pode iniciar-se com a destituição de Rui Rio da liderança do PSD. É altura dos críticos de Rio (chamem-se Luís Montenegro, Carlos Moedas, Miguel Morgado, Miguel Pinto Luz ou Jorge Moreira da Silva) darem um passo à frente e disputarem a liderança.

Mas não pensem que serão ‘favas contadas’. Não será fácil derrotar Rio. Não só pela alteração das regras eleitorais internas que Rui Rio levou a cabo, como pela capacidade de luta do ex-presidente da Câmara do Porto — que ficou bem clara nesta campanha eleitoral.

O mesmo processo de clarificação política deve verificar-se no CDS, com Luís Pedro Mota Soares (ex-ministro do Trabalho), Francisco Rodrigues, aka ‘Chicão’, ou Adolfo Mesquita Nunes a serem as caras mais óbvias para substituir Assunção Cristas.

A necessidade de uma refundação da direita nasce dos próprios resultados dos pequenos partidos. Por um lado, dos três partidos que vão sentar-se pela primeira vez no hemiciclo de São Bento, dois são de direita. Um assumidamente liberal e outro essencialmente conservador — que só tiveram sucesso porque o PSD e o CDS deixaram claramente os flancos abertos para que o voto liberal e conservador escolhesse novos partidos. Se contarmos com os votos da Iniciativa Liberal, do Chega e da Aliança, estamos a falar de mais de 170 mil votos.

Mas qualquer refundação também só pode ser feita com novas caras — e novas ideias, claro. Ou, pelo menos, com caras que não andem a disputar eleições desde os anos 70 e 80. É também por isso uma renovação simbólica que Pedro Santana Lopes não tenha sido eleito, entrando no seu lugar a Iniciativa Liberal.

5Epílogo

Confirma-se que o PS de António Costa está no centro do sistema político e em condições de negociar com todos os partidos menos com o Chega. O CDS, para já, está temporariamente fora de jogo até ser eleita uma nova direção.

Se a tripla PS/PAN/Livre não chega para a maioria absoluta, se o PCP rejeita uma nova geringonça e o Bloco faz propostas irrealistas que já sabe que os socialistas não aceitam, resta saber se António Costa se alia a Rui Rio com acordos pontuais no Parlamento. O PS pode ver-se obrigado a negociar com o PSD a aprovação de reformas estruturais em troca da aprovação de orçamentos de Estado.

António Costa vai querer entrar para a história do PS como o primeiro líder socialista a cumprir dois mandatos consecutivos como primeiro-ministro. Nem Mário Soares, António Guterres e José Sócrates conseguiram atingir tal objetivo.

E Rui Rio precisa desesperadamente de mostrar algo de concreto ao aparelho do PSD para continuar na liderança do partido. Para um partido como o PSD, não há melhor antídoto do que o poder.

Por isso mesmo, Costa e Rio podem tentar construir um pacto político que seja mutuamente vantajoso. Tudo porque em política, o instinto de sobrevivência fala sempre mais alto. Sempre.

Corrigidos o valores do número absoluto e da percentagem de votos do PS, CDU e PAN