Mostrar o rabo pelo clima e expelir tinta pelo clima para um opositor podem ser entendidos de muitas formas. Para uns podem ser formas ofensivas e de ataque, para outros apenas imitações biofílicas em forma de defesa perante um perigo iminente. Muitos animais mostram o rabo ou enrolam-se perante o perigo para não serem mortos; já a lula e o polvo lançam jatos de tinta quando se sentem ameaçados.
No final do congresso do PS, em abril, uns quantos jovens mostraram o rabo, agora em setembro umas jovens atiraram tinta ao ministro do ambiente. Uns quantos opinion makers institucionais, cães de guarda do poder, clamaram logo pela agressão intolerável, não percebendo que a força do rio depende grandemente das margens que o comprimem. É verdade que houve também quem considerasse que a violência é legitimável em face de uma violência maior.
E se de facto há uma violência maior, que é a da emergência climática, a verdade é que o Estado e as políticas públicas em Portugal não evidenciam uma violência menor nas formas de lidar com o problema. As ativistas que atiraram tinta rebelam-se contra empresas que, sendo co-responsáveis pela crise climática, ao mesmo tempo tiram o máximo usufruto da transição a vários níveis, procurando um greenwashing. O Primeiro Ministro, em jeito de greenwishing (que não é melhor que o greenwashing), afirmou que ‘O PRR é mais eficiente pelo ambiente do que atirar tinta a ministro’. Ora, a injustiça social e climática associada ao PRR e ao programa do fundo ambiental é clamorosa e não vejo os tais opinion makers a criticarem-na.
Vamos supor que tenho um apartamento com 8 janelas e quero tornar a minha casa mais eficiente. Ora bem, o orçamento para tal empreendimento ronda os 5.000 €. Eu tenho de utilizar o meu dinheiro para tal até 30 de outubro e depois, com sorte (se tudo estiver de acordo e confiando nas instituições), e depois ainda de solicitar um novo certificado energético que me há-de custar mais um tanto, serei ressarcido (se for, pois o fundo pode ter esgotado) no máximo de 2000€ (os do interior do país 2200€) a partir de janeiro de 2024! Não falo da mudança para bombas de calor e outras mordomias da transição energética, pois aí os valores são ainda mais assustadores. Portanto, os ricos podem ver um reembolso do seu investimento até 7500€, mas os demais? Que famílias portuguesas têm neste momento tal disponibilidade financeira? Não sabemos todos que é com dificuldade que muitas pagam os seus empréstimos à habitação! Isto é uma terrível injustiça social e climática. É um atentado ao socialismo e um privilegiar dos privilegiados! Uma política pública que reproduz desigualdades! Ou seja, é uma violência clara sobre o povo português, condenando as famílias mais pobres, e mesmo as de classes médias, a uma pobreza climática maior e a uma desigualdade acrescida. Não vejo os opinion makers cães de guarda preocupados com tal violência!
A preocupação quotidiana com a crise climática, associada às continuas injustiças climáticas que as políticas públicas tendem a tornar acrescidas, eleva a fasquia da ecoansiedade que os jovens, muito mais que a geração que está no poder, sentem e sofrem. Como professor há mais de três décadas, entristece-se e irrita-me mesmo uma certa passividade e mesmo apatia dos meus alunos, que será certamente representativa de uma boa parte dos jovens portugueses. Claro que há bons exemplos de gente aguerrida e que faz! Mas ou não estão na universidade ou a universidade nada lhes diz sobre as suas verdadeiras paixões. Mas dito isto, agora vão surgindo alguns jovens que querem mudar o mundo: são os jovens ecoansiosos!
A ecoansiedade é uma espécie de nova epidemia em que os problemas ambientais, a vários níveis e com intensidades diferentes, são internalizados e afetam a nossa saúde mental. Especialmente os jovens internalizam que podem ser a última geração, pelo menos a última que tem a possibilidade de tornar o irreversível reversível. Esta consciência é, desde logo, uma violência terrível que impomos à nova geração. Tão terrível que alguns lamentam ter nascido, culpam os pais de os terem gerado, não pretendem ter filhos, consideram que as suas vidas serão bem piores que as dos seus pais e por aí fora. A ecoansiedade é, no entanto, uma força imensa no sentido da transformação e todos nós temos uma responsabilidade em criar espaços para tal. Nos Estados Unidos, entre 20 e 30% da juventude já sofre de ecoansiedade e em todos os países, todas as instituições educativas devem ter programas para gerir a ecoansiedade. Há dois caminhos para a ecoansiedade dos jovens: um é aproveitar o seu potencial e vontade de transformar o mundo e dar-lhes espaço em comunidades de práticas, ‘climate cafes’ e outras formas que vão surgindo; outra é criticá-los, impedi-los de toda de qualquer atuação e levar a que a ansiedade se transforme em depressão. Todos estes estão a contribuir para uma violência inaudita, para uma geração perdida e mesmo, porventura, para suicídios grupais. Decidam o que querem fazer!
As ativistas ambientais gritaram na sessão do ministro do ambiente ‘Sem futuro não há paz’ e ‘O nosso futuro não é um negócio’. E é verdade. Tal significa que temos a obrigação, antes de mais e acima de tudo, de ter espaços para falar sobre o futuro. O futuro deve ser parte dos vários programas educativos ao longo da vida escolar. Sem que falemos sobre o futuro não é certo que tenhamos futuro. Não é de todo certo que os jovens sintam que têm futuro. É de todo impossível prepararmos adequadamente o futuro. Não há uma boa governação se os jovens não se revêm nas visões de futuro que sustentam as decisões e a políticas públicas. Podemos sempre relativizar e dizermos que se trata de meia-dúzia de agitadores num mar de tranquilidade. Sim, e é verdade: esperemos então pela revolução ou pela depressão em massa. Essas são as alternativas quando desprezamos os transformadores, a sua vitalidade e o seu potencial.