O fogo é um processo ecológico endógeno, inevitável, fundamental na evolução dos ecossistemas.

Por essa razão não está nas nossas mãos eliminar o fogo das nossas paisagens, o que está nas nossas mãos é a possibilidade de gerir o fogo de forma sensata, definindo onde aceitamos que arda, quando queremos que arda e de que forma queremos que arda.

Todas as tentativas de eliminação do fogo florestal e, em geral, rural resultaram naquilo que é hoje chamado “paradoxo do fogo”: resultados catastróficos, frequentemente trágicos, quando um fogo foge ao controlo depois de anos de sucesso das políticas de supressão do fogo.

Para além da progressiva acumulação de biomassa combustível resultante das políticas de supressão do fogo, a ausência de fogo tende a criar ecossistemas “envelhecidos”, menos diversos e com menor valor social.

Por essa razão, mesmo quando estão estritamente em causa valores de conservação da natureza, a tendência tem sido de abandono das políticas de supressão do fogo, aceitando padrões mais naturais de fogo assentes no não combate a fogos que não ponham em causa vidas, bens de mercado e infraestruturas (estudar o já antigo grande incêndio de Yellowstone é muito instrutivo, desde ponto de vista).

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A gestão do fogo assenta essencialmente na gestão dos combustíveis finos – folhas, ervas, raminhos, caruma, manta morta, etc. – sendo mais ou menos indiferente a espécie florestal dominante.

O conhecimento sobre a muito maior importância da quantidade e estrutura dos combustíveis finos que da espécie florestal dominante é, actualmente, esmagador.

Portugal tem um problema de gestão de combustíveis finos que resulta da falta de competitividade do sector florestal – lenho (madeira), mas também outros produtos complementares, como resinas, pinhas, estrumes, etc. – e sectores conexos, como a pastorícia.

Em resumo, o problema central da gestão do fogo em Portugal é um problema de ausência de economia, da qual resulta falta de gestão e, consequentemente, um padrão de fogo socialmente desastroso.

As opções

Portugal tem vindo a fazer um caminho no sentido de maior integração do fogo e da gestão de combustíveis nas políticas de gestão florestal, apesar do lastro histórico de protecção civil que nos tem feito andar muito lentamente nesse caminho.

Mesmo entre os que se reconhecem no consenso científico e técnico descrito acima (a esmagadora maioria dos que estudam e investigam ecologia do fogo), há uma fractura que valerá a pena discutir.

A perspectiva dominante tem sido a de que o mais eficiente é concentrar a gestão de combustíveis em locais estratégicos.

Esta perspectiva é tecnicamente sólida: é verdade que é possível obter mais retorno, com menos área de gestão de combustíveis, quando há integração com o combate, ancorando-o em zonas de baixa quantidade de biomassa combustível.

O problema desta opção – concentrar gestão de combustíveis em locais estratégicos – é que pressupõe a definição desses locais estratégicos e a montagem de um modelo de produção orientado para esse resultado, ignorando o fundamento económico da gestão do território.

Quando as circunstâncias são as que são em Portugal, com enorme fragmentação da propriedade e uma administração pública ineficiente, a definição dos locais estratégicos vai queimar parte dos recursos disponíveis.

A que acresce o desperdício de recursos na negociação do Estado com os proprietários, quer os negativamente afectados, quer os positivamente afectados.

A que se somam os recursos necessários para montar um processo de gestão de combustíveis sem propósito económico directo, executado pelo Estado ou por contrato com o Estado, o que implica montar um sistema de avaliação e fiscalização da execução.

Como a intervenção é feita por quem não tem interesse directo nos seus benefícios – o Estado -, afectando terceiros que vêem limitados os seus direitos de propriedade em benefício de terceiros, o potencial de conflito é enorme, só ultrapassado pelo potencial de desperdício (no qual se inclui a corrupção).

A alternativa a este tipo de intervenção – que é o que tem dominado as politicas públicas em Portugal, neste sector, com os resultados conhecidos – é o desenvolvimento de mercados que permitam a gestão de que o país precisa para ter padrões de fogo socialmente aceitáveis e, na medida do possível, socialmente úteis.

As condições essenciais para que haja mercados funcionais podem ser resumidas em quatro pontos.

  1. Concorrência (soluções como as das centrais de biomassa pressupõem a atribuição administrativa de licença de operação e ligação à rede, e eliminam toda a concorrência de sectores que pudessem obter resultados mais favoráveis, mas que não acedem ao apoio público, por exemplo);
  2. Participação voluntária dos operadores do mercado;
  3. Segurança na defesa dos direitos de propriedade (a regulamentação existente reduz substancialmente o direito dos proprietários com base em supostos interesses colectivos, muito mal definidos)
  4. A inexistência do conjunto dos três pontos anteriores destrói a confiança dos operadores no mercado criado artificialmente, em especial a confiança de longo prazo, que é o que permite investimento economicamente racional.

Reconhece-se que o mercado existente não responde à necessidade de gestão do território para que o fogo seja um processo ecológico socialmente útil, e não uma tragédia social e um passivo económico e ambiental.

Reconhece-se que o sector da produção florestal – que não deve ser confundido com o sector industrial de base florestal – é um sector com grandes fragilidades de competitividade, acentuadas pelo padrão de fogo existente.

Por isso faz sentido desenhar uma proposta que procure criar, a partir do dinheiro dos contribuintes, uma economia do fogo que respeite as condições essenciais para a existência de mercados eficientes.

A Proposta

Pagamento de 100 euros por hectare a qualquer gestor de terrenos que os mantenha com menos de 5000 metros cúbicos de vegetação não arbórea no seu terreno, por hectare – em média, vegetação com menos de 50cm de altura – a cada cinco anos, independentemente da actividade a que se dedica.

Os valores referidos, quer o valor por hectare do pagamento, quer a quantidade de biomassa combustível aceitável, são discutíveis, mas isso não altera o essencial da proposta.

De resto, a definição do valor a pagar por hectare deve ser feita por leilões parciais que permitam ir aferindo se o valor a pagar é excessivo – circunstância em que os leilões terão muitos participantes – ou insuficiente – circunstância em que os leilões tendem a ficar vazios de interessados.

Esta proposta não cria privilégios de sectores escolhidos sobre outros, cria um apoio de Estado a toda a economia florestal, cujo pagamento depende da entrega de um resultado concreto na gestão dos combustíveis finos.

Cabe aos operadores fazer as opções de gestão que entenderem – que podem ser condicionadas para evitar a degradação da camada superficial do solo – para sobreviver em mercados concorrenciais.

A proposta respeita duas condições essenciais para que a regulamentação de um sector tenha efeitos positivos no aumento de competitividade e inovação:

  1. É aplicada de forma cega a todo o sector, não distorcendo a concorrência;
  2. É orientada para a obtenção de resultados e não para adopção de técnicas ou processos de produção específicos que “congelem” o desenvolvimento tecnológico, ou de gestão, do sector.

Pode argumentar-se que um aperfeiçoamento do desenho da rede de faixas de gestão de combustível permitiria melhores resultados, de acordo com o princípio técnico que se reconhece no início do artigo.

O problema pode ser de desenho em áreas limitadas, mas, na definição de políticas públicas centralizadas, não é de desenho. Há hoje milhões de euros desperdiçados nesta opção política, com resultados limitadíssimos.

Em grande parte, a escassez de resultados resulta da opção de ignorar os interesses dos donos dos terrenos e a lógica económica que lhes está subjacente, pretendendo, com o prejuízo de uns, beneficiar outros.

A proposta que agora se faz não impede o desenvolvimento do desenho da rede, quando esse desenvolvimento é reconhecido como útil pelos operadores existentes, pelo contrário, é uma proposta que lhes põe nas mãos 20 euros por hectare, anualmente, para esse desenvolvimento.

A diferença central está em considerar-se que a intervenção do Estado, limitando os direitos de propriedade e usando o seu monopólio da violência legal para impor um ganho de eficiência reconhecido tecnicamente, é incomparavelmente menos eficiente, do ponto de vista social e económico, que o desenvolvimento de mercados eficientes, mesmo que, como é o caso, sejam mercados criados por intervenção do Estado.