Para que as pessoas paguem impostos, é necessário que tenham rendimentos e para possuírem rendimentos têm de ter emprego ou actividade que os produza. Para as empresas garantirem emprego, importa que tenham mercado, sejam competitivas e obtenham lucro, para que este possa ser distribuído pelos seus sócios e tributado pelo Estado, na percentagem aplicável. O Estado com o produto dos impostos, fornece aos cidadãos um conjunto de serviços e assistência gratuitos ou a preços controlados. É neste equilíbrio que se funda o que chamamos comummente de Estado Social.
Pagar impostos não é seguramente um prazer para ninguém, nem nunca será. Acresce que em Portugal, sobretudo para os rendimentos do trabalho, (incluindo os verdadeiros e os “falsos” recibos verdes) os que menos possibilidades têm para a evasão fiscal, as taxas são excessivas face ao rendimento real dos contribuintes. Quem exerce uma actividade que permite uma maior fuga aos impostos, fá-lo na medida do possível, cabendo aí às autoridades fiscais actuarem, para o que já possuem um quadro legal que lhes permite um quase total acesso à informação da vida de cada cidadão, incluindo a dispensa do ónus da prova. Mas aqui estamos a falar de rendimentos lícitos, justificados pela actividade que exercem, mas simplesmente não declarados. É uma questão estritamente de fuga fiscal.
Uma outra situação é a riqueza injustificada, ilícita e não declarada, que provém, não da actividade económica do comum contribuinte, às vezes faltoso, mas do aproveitamento por parte de um titular de cargo público relevante, do poder que lhe permite (se não for honesto) obter proventos através do trafico de influências, negociatas, cunhas, compadrios, comissões em fornecimentos ou em obras públicas que adjudica etc. etc.
A obrigação de alguns titulares de cargos públicos terem de declarar à entrada e à saída de funções, qual a variação do seu património, para efeitos de fiscalização, que é o regime vigente, é um modelo que só servirá para convencer parolos. Claro que se estivermos perante um titular de cargo público desonesto, normalmente não se encontrará um rasto específico e facilmente evidenciável desses montantes, como sejam depósitos bancários em seu nome ou imóveis adquiridos por si. Claro que escolherão outras pessoas para titulares seja dos imóveis, seja do dinheiro, seja dos barcos ou dos automóveis.
Se alguém que não tinha fortuna declarada à data do início das funções públicas (o cofre da mãe não é para levar a sério) e que vivia numa habitação de classe média, a partir do termo do seu mandato, tem na sua posse e ao seu uso (mesmo não tendo a propriedade formal, claro) algo absolutamente incompatível com as funções e retribuição que auferiu, o que lhe acontece hoje? Nada. Absolutamente nada. Basta-lhe ficar calado e sentado a descansar. Mas se for mais ousado e até adquirir em seu nome, cabe a quem duvida da sua capacidade aquisitiva com o vencimento que auferiu nos últimos anos, fazer prova de que o milhão de euros que custou a casa, tem proveniência ilícita. Mas se o faltoso (chamemos-lhe assim) nem quiser maçadas, até habita em imóvel de condomínio de luxo, propriedade de uma sociedade offshore. Não tem de explicar nada: direito ao silêncio. Quem investiga é que tem de apurar a santa razão, pela qual a dita offshore decidiu conceder o direito a habitação em comodato a tal personalidade. Tem uma frota automóvel de centenas de milhares de euros? E depois? Se não quiser ficar calado, pode simplesmente despachar o inquiridor contando que os adquiriu com dinheiro da avó que por acaso até já se finou ou então as viaturas são propriedade de sociedades, nacionais ou estrangeiras. Quem investiga é que tem de descobrir e provar que a finada avó não era assim tão rica ou qual a excelsa razão e ilicitude do acto de disposição benemérita das ditas sociedades.
Não é possível ter sucesso na obtenção de resultados neste tipo de criminalidade, com o quadro legislativo vigente.
Quando a Associação Sindical de Juízes propõe que os titulares de cargos políticos e altos cargos públicos passem a ter um dever de declaração e justificação – é muito importante a obrigação de justificação — dos aumentos patrimoniais especialmente relevantes que ocorram no exercício do cargo e durante os anos seguintes e no caso de não o fazerem, com intenção de os ocultar, poderem incorrer em pena de prisão de um a cinco anos, não está a fazer mais que a propor que se tutele legalmente a punição de condutas que a sociedade exige ao Estado que reprima. Como já o exigiu recentemente, em muitas outras condutas que não estavam penalmente tuteladas. Na verdade, só exerce cargos políticos e altos cargos públicos quem quer. Ainda não é uma espécie de serviço militar obrigatório. Se com isso o cidadão fica sujeito a obrigações especificas que não pretende, tem bom remédio: não se candidata ou não aceita o cargo.
Nos 47 anos de democracia que agora se contam, já tivemos, entre governos provisórios e constitucionais, salvo erro, quinze primeiros-ministros. Pelo que vamos conhecendo, parece que só um ficaria com dificuldades se esta lei agora proposta já estivesse em vigor.
Mais que um problema de presunção de inocência, estamos perante uma questão de presunção de decência.