O Governo só toma posse hoje, mas já está escolhido o protagonista da legislatura. Tudo indica tratar-se de alguém que tem sido fundamental nas últimas semanas, assumindo-se como a figura mais equilibrada destes tempos conturbados. Chamam-lhe “o adulto na sala”. É um crescido que aparece sempre que há baderna. Confusão no Parlamento? Felizmente, estava lá um adulto na sala a deitar água na fervura. Troca de insultos num programa de debate? Valeu o adulto na sala a acalmar os ânimos. Negociação num impasse? O adulto na sala ajudará a chegar a um acordo. Os comentadores políticos estão malucos com o adulto na sala, não conseguem parar de gabá-lo. Espero que o adulto na sala, além de ser obviamente muito maduro, seja uma pessoa modesta. Caso contrário, a quantidade e qualidade dos elogios ainda lhe sobem à cabeça.
É esquisito que quem usa a expressão “adulto na sala” o faça com a excitação infantil de um petiz. Por um lado, elogia o comportamento adulto de alguém; por outro, está entusiasmadíssimo como uma criança com o seu brinquedo novo: nunca o larga e quer que toda a gente repare nele.
(Julgo que tem de haver uma alocação mais racional de adultos na sala em Portugal. Segundo os comentadores, na política portuguesa abundam adultos na sala. Mas na educação há uma grande falta deles: vamos começar o terceiro período e ainda há muitas salas sem adultos.)
Vai ter de aparecer um corajoso nas redações que diga: “Malta, temos de parar de dizer por tudo e por nada que uma pessoa que se porta normalmente é «o adulto na sala». A repetir isso tantas vezes, começamos a parecer os papagaios na sala. Custa-me ter de ser eu a dizê-lo, mas alguém tem de ser o adulto na sala em relação ao uso da expressão «o adulto na sala»”
Não estou muito impressionado com a figura do adulto na sala. Ninguém me convence que ser o adulto na sala é uma qualidade. Depende muito do adulto. E mesmo da sala em concreto. Por exemplo, tenho as minhas dúvidas que seja positivo haver sequer um adulto na sala, se se tratar do Carlos Silvino num dormitório da Casa Pia.
A presença de um adulto na sala é sobrevalorizada. Sei isso porque, graças às férias da Páscoa, passei os últimos 15 dias como único adulto na sala. E único adulto na cozinha. E na casa de banho. Várias vezes. Porque pior que limpar cocó de uma criança é verificar se ficou bem limpo o cocó de uma criança que acha que já não precisa de ajuda para limpar cocó. Significa que, além de rabo, temos de limpar mão, pernas, pilinha, barriga, testa, cuecas, calções, t-shirt, torneira, maçaneta, porta, parede e mais algum sítio que me possa ter escapado mas que, passado um bocado, o olfacto revelará.
Posso garantir que o adulto na sala é irascível, irritado, agressivo, impaciente e sonolento. A nobreza de carácter que lhe é atribuída não se comprova. Não é a pessoa ideal para mediar as grandes questões políticas do momento. Principalmente, se isso implicar manter a cabeça fria e evitar esganar alguém.
Para metáfora com um grupo etário e uma divisão da casa, a combinação mais favorável nestes casos não é a do adulto na sala, é a do adolescente na cozinha. Já tive oportunidade de ver essas criaturas em acção e sei que, em prol de um bem maior, fazem as cedências necessárias. Com fome, já vi os meus filhos a comerem restos de iscas de cebolada e peixe cozido depois de um estágio de duas semanas no frigorífico. Já os vi despachar iogurtes 7 meses fora do prazo. E bebidas de soja, mesmo no prazo. Isso, sim, é capacidade de compromisso. Um adolescente esfomeado está disposto a engolir qualquer porcaria que lhe metam à frente.
Na falta de um adolescente na cozinha, também serve um idoso na casa de banho. Sobretudo se tiver uma próstata difícil. Não há ninguém mais paciente e paciência é o que é preciso ter para enfrentar esta situação política.