Multiplicam-se os balanços sobre uma década do que se convencionou considerar como o início da Grande Recessão, por via da condenação à falência do Lehman Brother’s. Ainda que, de facto, a crise se tenha iniciado no Verão de 2007. Para nós, a incapacidade de ultrapassar soberanamente a nossa crise apenas aconteceu em 2011. Está hoje Portugal em melhores condições para enfrentar uma tempestade financeira como a da primeira década do século XXI?

Jean-Claude Trichet, presidente do BCE na altura em que se desencadeou a crise financeira, disse esta semanaque o sistema financeiro global está “pelo menos tão vulnerável, se não mais, do que em 2008”. O epicentro é agora o aumento da dívida dos países emergentes, já que no eixo do Atlântico a dívida está mais alta, mas a diminuir. Um dos países que gera maiores preocupações é a China, embora, como se pode ler neste artigo do Financial Times, se reconheça que Pequim tem ferramentas para reagir com mais rapidez e eficácia, até que os Estados Unidos. Porque em relação aos europeus, pelo que vivemos e continuamos a viver, sabemos que está criada uma tal teia tecnocrata que as decisões levam demasiado tempo a ser tomadas. E, quando o são, a própria execução é difícil, muitas vezes bloqueada por regras e mais regras. (Veja-se o caso da intervenção no sistema financeiro em que as regras da concorrência, em plena crise, impediram algumas das melhores soluções. Mas este é outro tema.)

E Portugal? Está mais resistente? A resposta é obviamente, não. A dívida está a diminuir, mas os resultados das contas públicas reflectem basicamente o crescimento da economia. O que significa que havendo uma pequena recessão os sucessos obtidos desaparecem.

Se considerarmos as medidas adoptadas nos últimos quase três anos, aquilo que sofremos na era da crise e a actual participação do PCP e do BE na governação, podemos até considerar que temos menos condições financeiras, sociais e políticas para enfrentar uma nova crise. Uma crise que faça desaparecer a receita fiscal, aumente a despesa pública e alargue a dimensão do défice e das necessidades de financiamento.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Comecemos pelas medidas que foram (ou não foram) adoptadas durante estes últimos três anos.

Escolheu-se o caminho de reverter os cortes salariais na administração pública, descongelar carreiras, ser menos exigente nas contratações e anular as reduções nas pensões de reforma (estamos a falar das mais altas). Estas medidas, de regresso ao passado, significam recuperar, em parte, a dinâmica de crescimento da despesa que nos conduziu a uma situação orçamental insustentável. Em parte, porque a outra parte foi alimentada por investimento público em infra-estruturas desnecessárias – são desnecessárias quando não contribuem nem para o bem-estar nem para o crescimento medido pelas estatísticas.

A dinâmica da despesa deste regresso ao passado é tal que, apesar do aumento da receita fiscal e contributiva, o Governo tem de manter uma disciplina férrea na outra despesa, designadamente na de investimento. Ou seja, mesmo com crescimento, é preciso manter os serviços públicos num colete de forças tal que, por vezes, não aguentam e gritam aqui e ali que não há dinheiro, que o equipamento está obsoleto. Assim vamos vendo, por exemplo na Saúde.

Em matéria de despesa pública corrente estamos, assim e basicamente, a seguir a mesma linha em que estávamos há uma década, altura que, por sua vez, já acumulávamos medidas em cima de medidas de aumento dos gastos do Estado para conquistar o eleitorado funcionário público e pensionista.

Do lado da receita, as reversões limitaram-se à eliminação da sobretaxa de IRS e da Contribuição Extraordinária de Solidariedade (que incidia sobre pensões de reforma acima dos quatro mil euros) e a alterações mais recentes no IRS cujo efeito total vamos perceber em 2019. Em contrapartida agravaram-se os impostos sobre os combustíveis e sobre o património. Não se pode dizer que a carga fiscal tenha sido revertida para os tempos anteriores à crise.

Juntemos a este retrato o facto de, para reduzir o défice público, ter sido necessário reduzir o investimento público, depois de quase uma década a mantê-lo sob controlo. Não se está a falar de investimentos em grandes obras, mas sim em dinheiro para substituir equipamento, o que é especialmente dramático no caso da Saúde.

É neste estado das coisas que uma eventual crise nos pode apanhar: aumento daquela despesa pública que, para ser cortada, gera enorme custos políticos e sociais; impostos ainda muito elevados e por isso com pouca margem para serem aumentados como aconteceu durante a crise e finalmente o investimento que não se fez.

Perante uma eventual crise, se precisarmos de cortar despesa teremos de voltar a fazer o mesmo do passado, com uma elevada probabilidade de a dose ter de ser mais elevada, porque a margem para aumentar impostos quase não existe e pouco ou nada há para privatizar. E como, entretanto, não fizemos sequer o investimento público de reposição, corremos o risco muito sério de degradação ainda mais acentuada dos serviços públicos.

Na frente política estamos ainda em pior situação para enfrentar uma crise. Na era da troika, as energias da revolta e da contestação podiam ser libertadas de forma enquadrada pelo PCP e pelo BE. Numa nova crise, com o PCP e o BE a fazerem agora parte da governação, aumenta o risco de revoltas inorgânicas, como aquelas a que assistimos na Grécia.

O Governo merece o nosso elogio por ter conseguido gerir a conjuntura económica e financeira, até agora sem sobressaltos, com o apoio do PCP e do BE. Mas a táctica que tem usado, sem qualquer política que proteja estruturalmente o País dos efeitos de uma crise, mantém Portugal, se não mais, pelo menos tão vulnerável como estava há uma década.