A 5 de novembro de 2024 decorrerá a 60ª eleição presidencial dos Estados Unidos da América (EUA). Falta mais de um ano para a disputa, mas as principais figuras chegaram já ao recinto de jogo. E são muitas. Vejamos.
O Presidente incumbente, Joe Biden, declarou a 25 abril deste ano que irá concorrer a um segundo mandato. Se for reeleito, terminá-lo-á com 86 anos e elevará ainda mais um estatuto que já tem desde o início do mandato: o de mais velho Presidente dos EUA.
Nos democratas, até ao momento, não se antecipa que as figuras que anunciaram oficialmente a candidatura possam constituir-lhe verdadeira ameaça: o advogado – e sobrinho de John F. Kennedy – Robert F. Kennedy Jr. e a ativista ambiental Marianne Wiliamson. Outros nomes que circulam na nuvem política democrata como putativas hipóteses, sobretudo para um mais afastado futuro, são os da Vice-Presidente Kamala Harris ou da promissora jovem Alexandra Ocasio-Cortez (que, curiosamente, fará 35 anos em outubro de 2024, a tempo de poder, se quiser, ser candidata). Estas possibilidades ficarão para uma próxima análise. Nas linhas seguintes vamos olhar, sobretudo, para o lado republicano, procurando perceber em que ponto se encontra a disputa.
Num anúncio feito mais cedo do que muitos previam e que pretendia, provavelmente, marcar o ritmo da agenda republicana, Donald Trump anunciou, a 16 de novembro de 2022, que seria novamente candidato a Presidente dos EUA. Prevê-se que as primárias do partido republicano acolham vários candidatos, com o maior adversário de Trump a ser o Governador da Flórida, Ron deSantis. Além de Trump e deSantis, Mike Pence (ex-Vice Presidente de Trump), Tim Scott (Senador), Nikki Haley (ex-Embaixadora dos EUA na ONU), Asa Hutchinson (ex-Governador do estado de Arkansas), Vivek Ramaswamy (empresário), Chris Cristie (ex-Governador de New Jersey), Doug Burgum (Governador de North Dakota) e Larry Elder (podcast host) anunciaram publicamente a sua candidatura.
A primeira conclusão é relativa ao elevado número de candidatos que à direita propõem uma solução política distinta da de Trump. Este elevado número de candidatos tende a favorecer o incumbente, dispersando por várias caras, possivelmente, o eleitorado republicano que é avesso a quem vai liderando a corrida. Olhamos, por isso, para o exemplo dado por Chris Sununu. O Governador do New Hampshire, que tinha sido apontado como possível candidato, declarou-se fora da corrida para a Presidência, num anúncio garrafal: “I am not running for President in 2024. Beating Trump is more important.”. Trata-se de um evidente recado para os colegas de partido, em que o político refere, depois, que “a maior parte dos candidatos que já entraram nesta corrida estão somente a candidatar-se para serem vice-presidentes de Donald Trump” (tradução nossa). O republicano apelou ainda para que os candidatos com menos expressão nas sondagens abdicassem no inverno de 2023, evitando o provável efeito da dispersão de votos. Não será por isso surpreendente se alguns dos que já se anunciaram como candidatos venham a apoiar deSantis.
De facto, olhando para as sondagens disponíveis, para bater o ex-Presidente provavelmente será necessária uma maior concentração de votos num dos seus adversários: no início de junho, Donald Trump pontua constantemente acima de 50% das intenções de voto, Ron DeSantis tem pouco mais de 20% e todos os outros candidatos estão notavelmente abaixo dos 10%.
Em pouco tempo, Trump transformou profundamente o partido Republicano. Agora, quer um rematch contra Biden. Antes disso, muito provavelmente, vai ter de enfrentar as acusações judiciais que nos últimos meses foram conhecidas, e que o tornam o primeiro Presidente da história dos EUA a estar nesta situação. Independentemente do resultado em juízo, terá de lidar com este peso social no desenlace eleitoral, diz-se. Mas… terá mesmo?
Numa realidade política normal, a existência de acusações judiciais contra um indivíduo que ocupou o mais alto cargo de uma nação e pretende ocupá-lo de novo tenderiam a enfraquecê-lo enquanto candidato – é o que nos diz o senso comum, melhor conselheiro do que se pensa. Mas o caso dos EUA, no presente, é distinto; com a bipolarização política que se vive naquele país, em que democratas e republicanos transformaram a disputa política, literalmente, numa guerra cultural e, como veremos, num conflito social, não espanta que algum eleitorado republicano olhe para estas acusações como parte de uma estratégia do poder para condicionar a candidatura de Trump. Qualquer desenvolvimento negativo em relação ao candidato será entendido como parte de um projeto mais ou menos conspiracionista para o afastar do poder, e manter a hegemonia do lado oposto; a existência de um conjunto de acusações judiciais, em ano eleitoral, parece encaixar nesta narrativa pseudo especulativa. Além disso, dificulta, e muito, o posicionamento dos outros candidatos às primárias do Partido Republicano.
Esta dimensão tem dados que a comprovam: a 31 de março, um dia depois de Trump ter sido acusado de suborno a Stormy Daniels, foram doados 4 milhões de dólares para a campanha do ex-Presidente. Além disso, as sondagens reveladas imediatamente a seguir a esse facto demonstram um aumento da vantagem para Trump, face a deSantis. Ted Cruz referiu até que essa acusação em concreto foi um “presente político” para Trump; independentemente do veredito judicial, o que transparece é que o ex-Presidente permanecerá ilibado e avaliado como injustiçado, no juízo da sua base conservadora. E é difícil contrariar este efeito.
O caso é complexo e Trump não é indiferente aos republicanos. Quem não gosta dele provavelmente passará a gostar menos ainda, mas aqueles que nele vêm uma força na luta contra uma determinada realidade político-social que querem combater dificilmente serão influenciáveis. As sondagens apontam, também, que os indecisos e aqueles que se encontram a meio caminho entre a devoção e a aversão a Trump representarão, estranhamente, a menor parte do eleitorado republicano. O próprio Mike Pence, agora candidato a Presidente e ex-Vice de Trump, admitiu que não lhe parece que os eleitores prestem qualquer atenção a um possível veredito negativo, neste caso. Inclusivamente, e depois de Trump ter sido, mais recentemente, formalmente acusado de se ter apoderado de documentos classificados da Casa Branca e de os ter guardado na sua própria residência, somente Chris Christie – que já lhe tinha declarado guerra aberta – avançou com um discurso agressivo contra o ex-Presidente. Os estrategas dos outros candidatos aconselham-nos, certamente, a testar o eleitorado com pezinhos de lã, neste caso. E eles conhecerão, bem melhor do que nós, a realidade norte-americana.
É esperado que num processo eleitoral os candidatos formem uma identidade política, e que identidades políticas distintas tenham estilos diferentes e se confrontem entre si. Contudo, o que acontece nos EUA – e, com algumas diferenças, no Brasil –, é a transformação da identidade política numa identidade social, em que cada grupo olha para o outro como um inimigo do país e de si próprio. Nos EUA, em concreto, esta rivalidade social estende-se ao ponto de muitos norte-americanos não tolerarem, por exemplo, que um dos seus descendentes case com uma pessoa do partido adversário.
Nos países que viveram casos semelhantes, a polarização democrática extrema pode levar a uma degradação do regime, com um possível downfall para outro tipo de organização política, como explicam Jennifer Mccoy e Benjamin Press (2022). Entendo que são urgentes caras novas, e um novo confronto entre Biden e Trump – apesar de constituir o cenário mais provável, ao momento – não será certamente saudável para a momentaneamente débil saúde de uma das mais antigas democracia do mundo.