No início do mês escrevi um curto artigo sobre o estado da campanha no Partido Republicano. Nessa altura, há algumas semanas, vários candidatos tinham oficializado, em público, a sua candidatura a Presidente dos Estados Unidos da América (EUA). Cabe agora olhar para o Partido Democrata, e para alguns dos desafios que, a mais de um ano de distância, parece provável que Joe Biden vá ter de enfrentar. E nenhum deles, antecipamos, parece ser, por agora, o seu adversário direto e oficial no Partido Democrata.

As próximas linhas serão dedicadas àquele que será, provavelmente, o maior desafio de Joe Biden para poder renovar o seu mandato como Presidente da (ainda) maior potência mundial: a sua idade. Antes de avançarmos, um disclaimer: apesar de uma certa censura atribuída ao vocábulo em Portugal, utilizo, aqui, a palavra “velho” como tradução direta de “old”, mais ligeira mas distante expressão.

Vejamos. Ainda que a situação não seja totalmente límpida, sobretudo no lado do partido Republicano, é provável que no próximo ano Joe Biden tenha de voltar a enfrentar Donald Trump, naquela que já foi tratada como a sequela que ninguém quer ver: uma sondagem do passado mês de abril demonstrou que somente 5% dos norte-americanos querem que Biden e Trump voltem a enfrentar-se nas urnas, em 2024. Como referi, e apesar de caras novas não serem sinónimo obrigatório de frescura ou qualidade, este é um dos casos em que não se deve hesitar: são, sim, necessárias caras novas, a bem da saúde da democracia norte-americana.

Por agora, é ainda para este provável duelo que nos devemos preparar. E a este respeito, a dimensão que mais preocupa os estrategistas democratas tem que ver, como conhecido, com a idade de Biden: se vencer a eleição do próximo ano e levar o segundo mandato até ao fim, terminá-lo-á com 86 anos, um recorde total e absoluto entre os Presidentes norte-americanos. Contudo, um confronto contra Trump – somente três anos mais novo – poderá, neste aspeto concreto, ser-lhe mais favorável do que parece; apesar de estar agora na simultaneamente difícil mas interessante posição de aparente outsider que desafia o eventual representante do establishment, dificilmente Donald Trump será encarado como um candidato capaz de rejuvenescer a política norte-americana, como contraposição a Biden, que também, certamente, não o é.

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O cenário será provavelmente mais complexo se Biden tiver de enfrentar o atual Governador da Flórida, Ron DeSantis (44 anos). Lá iremos.

A este respeito, curiosamente, Jim Messina, responsável pela campanha que reelegeu Barack Obama em 2012, pronunciou-se, também, sobre a idade de Trump. De facto, como começámos por apontar, a circunstância de Trump ser somente poucos anos mais novo que Biden pode fazer, segundo Messina, com que o eleitorado norte-americano aceite de modo conformado a eventual evidência de que nesta eleição os candidatos são quase igualmente velhos, e que, portanto, deverão escolher aquele que acreditam que poderá melhorar-lhes a vida, deixando nesse caso a idade de ser um fator tão diferenciador quanto em teoria parece e quanto podia ser, efetivamente, noutros casos. Em forma de apelo, o mesmo Jim Messina acrescentou, ainda, que os democratas deverão fazer o mesmo, todas as noites, nos próximos meses: “Sentarem-se e rezarem a Deus para que Donald Trump seja o candidato republicano a Presidente dos EUA” (tradução minha).

De facto, e independentemente da valoração que façamos da veracidade deste facto, o maior handicap para que Biden possa ser reeleito é a existência de uma eventual impressão generalizada de que ele é simplesmente demasiado velho para o cargo. O ex-Conselheiro de Bill Clinton, Bill Galston, refere que para combater esta impressão “Biden terá de fazer uma campanha vigorosa, mostrando-se na rua e contactando com votantes, e talvez assim demonstre ainda ter energia para fazer mais”. Também Bob Shrum, antigo estrategista de Al Gore e John Kerry, aponta no mesmo sentido: “Biden deve responder às dúvidas sobre a sua idade fazendo uma campanha vigorosa: não falando sobre ela” (traduções minhas). O desafio está lançado.

Creio que a questão sobre a capacidade física e jovialidade dos candidatos constitui um caso de mais elevada importância para estas eleições do que para as anteriores, já que vão existir, também, grandes diferenças entre a campanha de 2020 e a que será feita em 2024. Aquela campanha, de há três anos, decorreu num regime de anormalidade: tendo acontecido num dos picos da pandemia de COVID-19, fez com que Biden optasse por aquela que ficou conhecida como “The Basement Strategy”, dirigindo-se ao país muitas vezes a partir de um estúdio improvisado na sua casa, em Delaware. É certo que esta opção resultou bem, já que transmitiu a ideia de uma postura prudente e cautelosa numa fase de grande incidência pandémica, reduzindo os contactos físicos numa altura de pico de pandemia, ao contrário do que fez o então Presidente incumbente Donald Trump. Em 2024, contudo, Biden não terá certamente possibilidade de replicar essa estratégia.

Tudo aponta para que tenhamos uma campanha normal, tradicional, com discursos em público, ruas cheias de norte-americanos, encontros e conversas com eleitores e muitas viagens e deslocações num curto intervalo de tempo. Este tipo de campanha pode, em tese, não favorecer Joe Biden, se quisermos crer na narrativa que aponta alguns problemas na saúde do Presidente; contudo, e como aponta Zeke Miller, durante o seu mandato como Presidente dos EUA, Joe Biden tem feito inúmeras viagens, encontros e aparições públicas, e, apesar de algumas gaffes que se tornaram públicas, o Presidente mostrou-se capaz de fazê-lo de forma relativamente eficaz. De facto, neste aspeto Biden tem-se demonstrado com energia suficiente para estar à altura desta concreta exigência das suas funções; num detalhado trabalho de investigação, o The New York Times comparou a agenda dos dois primeiros anos de mandato de Biden, Trump e Obama, não registando diferenças no número de compromissos assumidos. Nos primeiros meses do seu terceiro ano de mandato, Biden fez até mais visitas e viagens do que Obama, no mesmo período.

Independentemente das eventuais conquistas do mandato de Biden, na antecâmara de um confronto bipolarizado contra Trump, mais importante do que foi ou não foi feito por ambos será a maneira como as campanhas decorrerem e como um e outro se saem no jogo eleitoral. E quanto a Biden, a idade será mesmo o seu maior adversário; na generalidade das sondagens feitas, dentro do grupo de inquiridos que declaram que não querem que Biden se recandidate, a grande maioria refere que a idade é a razão para essa posição. E a idade parece ser, pelo menos na teoria, uma preocupação dos norte-americanos quando lhes é questionado o perfil do Presidente ideal: metade refere que o Presidente deve ter entre 51 e 65 anos e um quarto aponta que deve ter menos do que 50 anos. Contudo, cinco dos últimos oito Presidentes dos EUA tinham consideravelmente mais do que 65 anos quando foram eleitos para o cargo. Isto não significa que a idade não seja uma preocupação para os eleitores norte-americanos; o que acontece é que se os dois candidatos são relativamente da mesma idade, os eleitores não terão, nesse particular, maneira de fazer outras escolhas. E provavelmente poderá ser esta uma das maneiras para quase inesperadamente Biden e a sua equipa destrunfarem a narrativa de Trump.

Aqui chegados, resumo a minha tese. São necessárias novas caras, que não só tragam mais dinamismo e projetos de futuro mas que consigam, também, superar a extrema bipolarização política que se vive nos EUA. Enquanto não chegam ou não conseguem força suficiente, podemos antecipar um infeliz rematch de 2020. Nesse tabuleiro Biden é, direta ou indiretamente, o maior adversário de si próprio. E, estranhamente ou não, creio que no atual cenário enfrentar Trump não será tão mau assim.