A brutal invasão da Ucrânia pela Rússia fez a Europa acordar do sonho de que era possível envolver a Rússia num processo de pacificação através de relações económicas mutualmente benéficas. Os políticos europeus não quiseram ver os sinais em sentido contrário dados pela Rússia na Chechênia, Geórgia e, em 2014, na Ucrânia.

Escolheram também desvalorizar as ações desestabilizadoras contra as democracias ocidentais  desenvolvidas por Putin e abundantemente denunciadas por autores  como Anne Applebaum ou Timothy Snider.

A mudança de atitude dos cidadãos e políticos europeus é clara sendo a mais surpreendente, para mim, a do Partido “Os Verdes” na Alemanha que, tendo na sua raiz, nos anos 80 do século passado, o pacifismo através da oposição à instalação de misseis Pershing e de cruzeiro americanos, em solo alemão, destinados a contrabalançar a instalação de misseis SS20 por parte da União Soviética assumiu, agora, a necessidade do rearmamento alemão e de um apoio claro à Ucrânia.

A presidente dos Verdes e atual ministra dos Negócios Estrangeiros da Alemanha é mesmo considerada um falcão em contraste com o  Chanceler que tem uma posição mais tímida em relação à Rússia e ao apoio à Ucrânia.

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Antes da guerra a Europa promoveu um período de desinvestimento na defesa. Os Estados-Membro da UE passaram de um gasto de cerca de 2,8% do PIB na defesa nas décadas de 1970 e 1980, para 1,6% em 2019.

Este “dividendo da paz”, associado ao fornecimento de gaz barato pela Rússia, permitiu níveis de crescimento significativos e o reforço dos Estados sociais europeus.

Na véspera da guerra a Europa estava a recuperar da crise  gerada pelo Covid 19 e tinha chegado a um consenso sobre uma estratégia de crescimento baseada na transição verde e digital, uma política industrial em resposta à concorrência geopolítica e tecnológica e uma reforma das suas regras fiscais para proporcionar espaço ao investimento.

A guerra obrigou a uma reflexão profunda sobre o papel e o futuro da União Europeia. Neste momento fala-se da transição da Europa para uma “economia de guerra” e a Comissão apresentou propostas concretas para reforçar o investimento no setor da defesa.

Para começar, o termo “economia de guerra” é um pouco exagerado. Economia de guerra verificou-se, por exemplo, na Segunda Guerra Mundial quando o Presidente Roosevelt  chocou os representantes da industria automóvel ao decidir que não seriam produzidos veículos particulares até a vitória, utilizando todo o poder da industria americana para produzir armamento e conseguindo passar a produzir um navio de carga em 42 dias em vez de 2 anos.

O aumento dos gastos com a defesa irá implicar financiamento adicional.

Existem várias opções para obter este financiamento sendo a menos popular o aumento de impostos.

A emissão de dívida é outra opção, sendo que a Comissão parece favorecer um modelo semelhante ao modelo do Mecanismo de Recuperação e Resiliência — a criação de um orçamento de defesa europeu financiado por dívida.

Finalmente, poderão ser feitos  cortes na despesa noutras áreas, como a transição climática e as despesas sociais.

Aqui, à semelhança do verificado em anteriores crises, surgem os habituais comentadores a exigir que a legislação já aprovada e os investimentos em curso ou previstos destinados à transição ambiental e climática sejam repensados e/ou adiados.

Parece-me uma má ideia. As crises anteriores demonstraram as fragilidades que a economia europeia em termos de recursos e de extensas cadeias de valor.

O reforço da política de defesa não é suficiente para garantir a autonomia estratégica da UE. A economia é também um vetor essencial. Uma economia de guerra tem de apostar na resiliência do sistema económico e social.

A aposta na sustentabilidade, consagrada no Pacto Ecológico Europeu, não tem apenas benefícios ambientais e climáticos é também uma aposta na diminuição da dependência da economia europeia em termos de recursos e energia que, são geralmente importados de regiões sujeitas a instabilidade geopolítica ou que são mesmo hostis ao nosso modelo de vida.

Por exemplo, o recentemente aprovado Regulamento sobre Ecodesign para Produtos Sustentáveis ao promover uma maior durabilidade, reuso, reparação e reciclagem dos produtos irá diminuir o consumo e importação de matérias primas para a produção de novos produtos.

A transição para uma sociedade de baixo de carbono irá igualmente reduzir a dependência da UE da importação de combustíveis fosseis  ao apostar na eficiência energética e na produção de energia baseada em recursos endógenos como o sol o vento e o mar.

Um estudo de 2022 indicou que, entre Março e Setembro de 2022,  as energias renováveis permitiram à União Europeia evitar 99 mil milhões de euros em importações de gases fósseis um aumento desta poupança em 11 mil milhões de euros em relação a 2021, graças ao crescimento recorde da capacidade renovável sobretudo eólica e solar. Em 2022, as energias renováveis produziram cerca de 23% da consumo bruto de energia.

Com o pacote “fit for 55”, aprovado recentemente, as poupanças serão muito mais significativas dado que o objetivo será de que, em 2030, as energias renováveis contribuam para 42,5% da geração de energia e, em 2050, 85%.

Finalmente, uma sociedade de baixo carbono baseia-se num modelo de produção descentralizada de energia muito mais difícil de destruir, no caso de um conflito, do que os atuais sistemas de produção de energia baseadas em grandes centrais térmicas ou nucleares (como se pode constatar pelo que se passa actualmente na Ucrânia).