A União Europeia continua a ser a região do mundo com maior taxa de mortalidade devida à Covid-19, mas em relação ao último “Breves Factos” de 29 de abril, a epidemia acentuou-se nos EUA, que só agora em maio mostra um decrescimento nas mortes, e intensifica-se no resto do Continente americano. Na Europa, subiram significativamente o número de mortes no Reino Unido, que ultrapassou a Itália, se considerarmos a curva epidemiológica estandardizada, e a Suécia que também subiu na classificação internacional.
O Gráfico 1 mostra os vinte países com maior taxa de mortalidade a nível mundial. A Bélgica, Espanha, Reino Unido e Itália têm taxas superiores a 5 mil mortes por 10 milhões de habitantes. O Reino Unido subiu de 5ª para 3ª posição no último mês. Portugal desceu da 11ª para a 13ª posição. Os EUA subiram uma posição para a 9ª, e o Canadá entra na 12ª.
Gráfico 1 – Os Vinte Países com maior número de mortes por 10 milhões habitantes
Na tabela dos 20 entram mais quatro do Continente americano: Equador (11ª), Brasil (14ª), Perú (15ª) e Panamá (20ª). Portugal baixou, em relação à média mundial, de um rácio de 3,33 para 2,89.
O Quadro 1 compara a situação epidémica de grandes regiões geográficas. Considerando a situação a 24.5.2020 verificamos uma enorme disparidade entre os países da Ásia relativamente à Europa e EUA, que têm apenas uma fração dos números de infetados ou de mortos por referência à população. A curva epidemiológica dos EUA avançou significativamente em relação à União Europeia, no último mês. Continua a verificar-se uma diferença significativa entre estas duas regiões: um maior número de infetados por habitante nos EUA, mas um maior número de mortes na União Europeia. Enquanto que os EUA têm 26% mais de infetados, têm apenas 62% da mortes da UE, embora este rácio possa subir pois a curva epidemiológicas dos EUA está atrás da europeia.
Quadro 1
1 Infetados por habitante: as curvas da epidemia já estão na fase descendente da curva de novos casos desde princípios de abril
O Quadro 2 mostra que a Espanha se mantém destacada com o maior número de infetados por habitante, mas o Reino Unido tem agora o mesmo número que a Itália, e os EUA passaram a segundo lugar, destacando-se dentro deste país o Estado de Nova Iorque. A Irlanda já passou também a Itália, com um número próximo dos EUA.
Quadro 2
A Europa de Leste continua a registar taxas muito inferiores aos países da Europa Ocidental. Deste grupo de países os maiores crescimentos no último mês registaram-se para o Reino Unido e EUA (em especial a Califórnia) e na Europa de Leste a Polónia.
A União Europeia continua a apresentar uma grande disparidade no impacto da pandemia, tanto em termos de infetados como em termos de número de mortes, quando medidos em relação à população, com variações superiores a 1 para 24 e 1 para 156, respetivamente, mas esta disparidade reduziu-se significativamente no último mês. Conforme o Gráfico 2 mostra, o Luxemburgo, Espanha, Irlanda e Bélgica têm o maior número de infetados por habitante, enquanto que a Grécia e os países do Leste Europeu têm as mais baixas. Portugal continua com uma posição acima da média da UE, tendo aumentado ligeiramente o seu distanciamento acima da média da UE, de 11 para 13%. Os países que maior aumento tiveram no último mês foram a Suécia (69%), o Reino Unido (62%), e a Finlândia (41%).
Gráfico 2
2 Curvas epidemiológicas estandardizadas: a Espanha continua na fronteira
O Gráfico 3 mostra a evolução do número de infetados por 100 mil habitantes, com origem no dia em que este atinge o rácio de 2 em cada país. Como se pode observar a Espanha continua na fronteira. Contudo, na última semana, o Reino Unido ultrapassou a Itália, passando para segundo lugar. Portugal continua a distanciar-se, abaixo da Itália, mas está agora mais acima da Alemanha, França e Holanda.
Gráfico 3
3 Mortes por habitantes: grandes diferenças na Europa, com a Espanha, Reino Unido e Itália na frente a nível mundial
O número de mortes por habitante registou no último mês acréscimos superiores a 20%, com os maiores acréscimos superiores a 70% nos EUA e Reino Unido. Portugal teve um acréscimo de 41%. Também entre os países da Europa de Leste, a Polónia e Letónia também registaram aumentos superiores a 70%. Depois destes acréscimos, a Espanha, Reino Unido e Itália registam as taxas de mortalidade mais elevadas, no grupo de países do Quadro 3. A nível mais desagregado, regiões como o Estado de Nova Iorque, nos EUA, registam uma taxa de mortalidade cerca de cinco vezes superior à média dos EUA.
O Gráfico 4 mostra as taxas de mortalidade dos países da UE, em que a Bélgica continua a ter o máximo (existem diferenças significativas nos dados reportados pelas duas fontes utilizadas, worldometers e ourworldindata, com a primeira fonte reportando em geral números superiores à segunda), que tem sido justificada pelas autoridades por cobrir todas as mortes, ao contrário de outros países onde o excesso de mortes mostra uma elevada subestimação, como são os casos de Itália, Espanha, Reino Unido e Portugal (ver Breves Factos de 29.4).
Quadro 3
Os países com menor número de mortes devido à Covid-19 por habitante continuam a ser os da Europa de Leste. A média da UE subiu de 2 358 mortes a 24.4 para 3 028 a 20.5, um aumento de 31%. Portugal melhorou a sua posição em relação à média da UE, tendo a sua taxa descido de 52 para 40%, entre aquelas datas.
Gráfico 4
As curvas da epidemia estandardizadas (Gráfico 5) mostram que o Reino Unido ultrapassou claramente a Itália, para passar a segundo lugar da amostra, abaixo da Espanha. Portugal continua a evoluir a nível abaixo do intermédio, acima e em paralelo com a Alemanha. O grupo de países da Europa de Leste confirma as suas taxas de mortalidade bastante inferiores aos países da Europa Ocidental.
Gráfico 5
As taxas de letalidade – percentagem do número de mortos sobre os infetados – registaram subidas para a generalidade dos países no último mês (Gráfico 6). A França, Bélgica, Reino Unido e Itália registam as taxas mais elevadas, com Malta, Chipre, Eslováquia e Letónia a registarem as taxas mais baixas. Portugal apresenta uma taxa semelhante à Alemanha e Croácia, que é apenas 35% da Espanha, embora seja cerca de 4 vezes superior à de Malta.
Gráfico 6
4 O Mundo em Lockdown
A Universidade de Oxford (Blatnavik School of Government) tem um site onde acompanha as medidas tomadas pelos governos de 165 países em resposta à Covid-19. Um dos índices que agrega as medidas de confinamento é o “Stringency Index” (Índice de Confinamento) que agrega nove indicadores de confinamento e de restrições impostas pelos Governos para travar a epidemia, tais como encerramento de escolas, proibição de viagens, ajuntamentos, espetáculos públicos ou restrições sobre os locais de trabalho ou fecho de atividades económicas. O Gráfico 6 mostra o mapa mundo deste indicador a 7 de maio. O que impressiona é que quase todo o mundo está em lockdown: a Covid-19 ficará para a história como o vírus que fez dobrar o mundo perante a ameaça da pandemia. Apenas a Nicarágua, Bielorrússia, Burundi e Turquemenistão têm medidas ligeiras.
Gráfico 7
O Quadro 4 mostra o Índice de Confinamento para os países da UE, entre 7 de março e 18 de maio, por ordem crescente deste índice no dia 15 de março. Os países que tinham medidas mais restritivas eram onde a epidemia estava mais aguda, como a Itália e Espanha, mas também incluíam a Dinamarca, Malta e vários países da Europa de Leste e Grécia, onde a epidemia teve uma evolução muito favorável.
Os países com medidas menos restritivas eram aqueles onde a pandemia ainda estava atrasada, mas onde os respetivos Governos tinham adotado uma estratégia de “combate via imunização natural”, como a Suécia e Reino Unido, bem assim como alguns países da Europa de Leste que tiveram evoluções favoráveis. Ao contrário do que vários comentadores afirmam, Portugal teve uma política de contenção claramente abaixo da média, que estava próxima da Alemanha no início de março, e que foi relaxando mais tarde que este país, devido à evolução menos favorável da pandemia.
Quadro 4
Entre os países que temos seguido, a China teve uma resposta de confinamento mais cedo, que aliás também foi seguida pelo Japão e Coreia do Sul, embora este país tenha adotado pontualmente medidas mais restritivas em meados de abril, devido a um surto entre crentes de uma igreja local. Todos estes países asiáticos relaxaram as suas políticas mais do que os países da UE em maio.
Os EUA adotaram políticas diferentes conforme os Estados, embora em média só em abril estas restrições tenham subido devido aos surtos epidémicos que afetaram cerca de 46 milhões de habitantes.
Uma determinada evolução epidemiológica depende não só das políticas de saúde, e em particular da política de confinamento, mas também do choque epidemiológico (por exemplo, houve um acontecimento que tenha originado múltiplas infeções, por vezes conhecido por “bomba epidemiológica”) e das condições de saúde da população. Os tratamentos hospitalares e medicamentos existentes são também determinantes para a evolução da mortalidade. Se em determinados locais se dão surtos explosivos, então os limites da capacidade de tratamento hospitalar são fundamentais. O Gráfico 8 mostra a reação das autoridades em termos da política de confinamento, conforme a progressão dos casos de infeção, retirado de Hale, Thomas et al., Variations in Government Response to Covid-19, abril 2020, da Universidade de Oxford. Podemos observar que a resposta da China, o país de origem da pandemia, foi retardada no tempo, embora uma vez iniciada tenha sido rápida. O país que reagiu mais rápido e mais cedo foi a Itália, que teve uma das mais elevadas taxas de infeção e mortes, talvez em resultado da dimensão do choque epidemiológico. A resposta mais retardada é a do Reino Unido que está a sofrer as consequências – a segunda maior taxa de mortalidade na Europa.
Gráfico 8
O referido trabalho também estimou o impacto médio/mediano das medidas de confinamento sobre o número de casos de infeção reportados. Os dados (Gráfico 9) mostram claramente que para a Europa, as medidas de confinamento levam a uma redução para mais de metade da taxa de crescimento de novos casos passados 20 a 25 dias da sua implementação.
Gráfico 9
Os Gráficos 10 a 13 mostram como o número de novos casos de infeção e de mortes, em rácio da população, evoluíram, em comparação com as medidas de confinamento adotadas. O Índice de Confinamento está representado na escala da direita, e o de casos e mortes no eixo da esquerda. Chamamos a atenção que a escala do número de casos e mortes não é a mesma para todos os países, por causa da sua dimensão, por exemplo, é muito maior na Espanha do que na Suécia.
A Espanha reagiu tarde em termos do Índice de Confinamento (Gráfico 10), o que combinado com o que parece ter sido uma bomba epidemiológica, foi catastrófico, embora o Índice tenha evoluído de forma rápida e bastante restringente. Só cerca de 20 dias depois das medidas restritivas é que tanto os novos casos de infeção e mortes começaram a baixar decisivamente.
A Suécia é apontada como um caso em que as autoridades não adotaram medidas de confinamento estritas (o Índice máximo é apenas de 60 comparado com os 90 da Espanha ou Eslováquia). É evidente pelo Gráfico 11 que a distribuição do número de novos casos de infeção e mortes é mais achatada, e não mostra ainda um decréscimo tão evidente como na Espanha. Ainda é cedo para avaliar se os menores custos económicos e sociais associados a um menor confinamento justificam o número de mortes que está a registar, ceteris paribus.
Os dois últimos casos são casos de grande sucesso, com um número muito baixo tanto de infetados como de mortes dividido pela população, que são a Eslováquia e Taiwan. O que é comum é que ambos os países reagiram cedo em termos de políticas de saúde, mas a Eslováquia adotou uma política restringente de confinamento, enquanto que Taiwan substituiu essa política por “digital tracing” e testes generalizados.
Gráfico 10
Gráfico 11
Gráfico 12
Gráfico 13
5 Conclusões
A evolução da pandemia a nível mundial continua preocupante. Como o Gráfico 14 mostra, ainda não há tendência de decréscimo no número de novos casos de infetados, mas a evolução das mortes diárias já mostra algum decréscimo, o que mostra uma redução da letalidade. O número de pessoas infetadas a nível mundial já atinge 5 540 milhares de pessoas, e o número de mortes 347 mil (dados do worldometers de 25 de maio).
A pandemia levou a um lockdown sem precedentes, com o mundo inteiro a adotar medidas de confinamento bastante restritivas. Enquanto a Ásia de Leste já está a relaxar estas medidas desde abril, só mais recentemente os países europeus começaram a reduzir a sua intensidade. Existe uma forte evidência de que as políticas de confinamento tiveram um forte impacto na desaceleração do processo epidémico e que salvaram muitas vidas. Porém, existem casos asiáticos, como os da Coreia do Sul e sobretudo Taiwan, que mostram que medidas generalizadas e intensas de confinamento podem ser substituídas por “digital tracing” e testes generalizados, com grandes ganhos económicos e sociais.
P.S. Fizemos uma análise econométrica dos fatores que influenciavam a taxa de mortalidade devido à Covid-19 que indicava que as condições de saúde eram os fatores fundamentais para explicar aquela taxa (ver artigo de 4 de maio), e existia evidência de que as políticas de BCG também tinham influência. Entretanto já foram publicados dois artigos numa revista científica (consultar em www.medrxiv.com), um da Universidade de Michigan, de Berg, Martha et al.; e outro do New York Institute of Technology, de Miller, Aaron et al., que confirmam a evidência econométrica a favor da BCG. Contudo, numa carta para o Journal da American Medical Association, de Hamiel, Uri, et al. da Universidade de Tel Aviv, usando dados individuais para os casos registados em Israel, não encontra evidência de que a vacina BCG tomada em criança tenha efeitos protetores contra o coronavírus.