O Manifesto “Direito a morrer com dignidade” reacendeu, novamente, o debate na opinião pública portuguesa sobre a eutanásia. Torna-se, por isso, importante conhecer a experiência internacional sobre a da lei da eutanásia na perspetiva de contribuir para um debate, mais objetivo, mais aberto e menos emotivo. É, igualmente necessário, sensibilizar, a classe política portuguesa e a comunicação social para os abusos da lei da eutanásia, antes de legislar. Este artigo tem como objetivo principal a análise dos estudos científicos incluídos e disponíveis no Relatório do Centro de Bioética de Anscombe, Oxford (2015) sobre a prática da eutanásia e do suicídio assistido na Holanda, Bélgica, Luxemburgo, Suíça, Oregon e Washington (por favor, consulte-se aqui).

De acordo com este relatório, o número de novos casos de eutanásia tem vindo a aumentar em todos os países que despenalizaram a eutanásia. Em 2014, na Holanda o número de mortes por eutanásia foi 4.829. Comparativamente ao ano de 2013 houve um aumento de 14%. Recentemente estimou-se que um em cada 33 holandeses morre de eutanásia e, 650 bebés são, anualmente, mortos por eutanásia. Na Suíça no ano de 2014, o número de mortes por suicídio assistido aumentou 27% comparativamente a 2013 (538 vs 124). Neste país, ao longo da última década, a taxa de suicídio assistido em pessoas idosas triplicou nas mulheres e duplicou nos homens. A taxa elevada de suicídio assistido no idoso poderá correlacionar-se com o envelhecimento moral da sociedade.

O pedido explícito de eutanásia é cada vez menos respeitado. A morte administrada a pessoas contra a sua vontade, e/ou sem o seu consentimento por não estarem capazes de o fazer, por um médico, enfermeiro ou um familiar não é eutanásia: é homicídio. Assim, constata-se que a prática da eutanásia engloba o homicídio sem nenhuma condenação judicial. Neste contexto, a eutanásia é adjectivada como − eutanásia não voluntária − uma vez que não é justificada pelo princípio da autonomia do doente. O estudo de Van der Maas, sobre as decisões de fim de vida praticadas por médicos holandeses, revela que, em mais de mil casos, os médicos precipitaram a morte de doentes lúcidos e capazes de se exprimir, sem o conhecimento destes.

Em 70% dos casos os médicos apressaram a morte por acharem que os doentes tinham “ má qualidade de vida”. Na Bélgica, estatísticas igualmente alarmantes indicam que em milhares de casos, os médicos decidem intencionalmente pôr fim à vida dos seus doentes, e não são objecto de nenhuma pergunta. Assim como na Holanda, os médicos belgas, matam intencionalmente bebés. Bebés com deficiências graves mas também crianças com paralisia cerebral. Estes factos comprovam o maior paradoxo da despenalização da eutanásia. A lei da eutanásia, em vez de aumentar o poder dos doentes intensificou o poder dos médicos. Ao sugerirem a eutanásia aos seus doentes e ao tomarem frequentemente, sem o seu conhecimento, a decisão de os matar, os médicos exercem um poder exorbitante. Ficam Senhores da morte. Não mais registam a hora final de uma vida, escolhem-na, segundo o seu livre arbítrio.

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Esta crescente “medicalização” da morte também se observa na classe de enfermagem. Um estudo recente mostra que existem enfermeiras belgas que decidem, preparam e administram a eutanásia ultrapassando, claramente, as suas competências profissionais, sem nenhum constrangimento legal. Estes factos demonstram, inequivocamente, que é preciso ter muita prudência em relação á lei da eutanásia uma vez que esta lei oferece a tentação de ser utilizada para dar a morte por impulso.

No que concerne à utilização de eutanásia nos doentes oncológicos é particularmente preocupante verificar a prática “normalizada” da eutanásia nos doentes terminais. Para muitos doentes oncológicos em fim de vida a alternativa, viável, da medicina paliativa não é sequer aconselhada. Nesta população, vulnerável, a dor justifica 27% das eutanásias.

Outra transgressão da lei da eutanásia relaciona-se, novamente, com o princípio da autonomia. A lei da eutanásia exige a morte como um direito para doentes que querem morrer dignamente, ou seja, em plena posse das suas faculdades mentais e senhores de si. O pedido é lúcido, racional e mantido pelo doente, apesar das alternativas que lhe são propostas.

Porém, assiste-se a um aumento do número de mortes por eutanásia de pessoas com perda de autonomia. De facto, na Holanda em 2014, o número de pedidos de eutanásia para doenças não terminais aumentou comparativamente a 2012. Este aumento foi 46% na eutanásia de doenças relacionadas com a terceira idade, 130% na eutanásia de doenças por demência e de 200% na eutanásia por distúrbios mentais.

Nestas circunstâncias como se pode garantir que o pedido é inteiramente voluntário se a capacidade de decisão e de entendimento está perturbada? Tal como está, a lei permite abusos na população de doentes com saúde física mas em sofrimento psicológico e, naqueles com doença crónica que podem viver durante anos.

É preocupante verificar como na Suíça, a taxa de suicídio assistido associada a doenças não terminais aumentou de 22% para 34% entre 1990 e 2001-2004. Os membros da associação mais antiga que reivindica o direito de morrer com dignidade – EXIT – asseguram que a razão mais comum para ajudar alguém a abreviar a sua vida após solicitação explícita é a “preocupação com a vida” em vez de “doença terminal”. Para a maioria dos membros desta associação, preocupações afectivas, familiares, económicos, e psicológicos justificam a prática do suicídio assistido.

Outro estudo suíço de 2014 revelou que em 16% das mortes ocorridas por suicídio assistido não se identificou a causa clínica que pudesse justificar a decisão de pôr termo à vida. Este tipo de situações revela, novamente, a existência de prática abusiva de suicídio assistido. A aceitação para eutanásia de pessoas “preocupadas com a vida” ou “sem doença clínica mensurável” é particularmente perigosa, pois abre as portas a inúmeros abusos da lei independentemente do estado de saúde ou de doença da pessoa. Por outro lado, a lei nem sempre garante o direito das pessoas que se decidiram pela eutanásia de alterarem a sua decisão. Deste modo é grave verificar que o tempo de reposta da EXIT para suicídio assistido, após primeiro contacto, é inferior a uma semana em 23% é inferior a 24h em 9%.

Para o sofrimento mental, a lei permite cada vez mais abusos uma vez que os doentes psiquiátricos holandeses fundamentam, cada vez mais, o pedido de eutanásia por solidão. Deste modo, é preocupante verificar como a eutanásia é, actualmente, utilizada para substituir a intervenção de suporte psicossocial, em doente que não esgotaram todas as linhas de tratamento psiquiátrico (por favor, consulte-se aqui).

O balanço internacional sobre eutanásia é uma catástrofe humana. Milhares de europeus recebem a eutanásia sem o saberem. Porque será que a Europa minimiza esta evidência? Por razões politicas! É preciso ousar enfrentar a política governamental pró-eutanasia, dos Países Baixos que mata, indiscriminadamente, as pessoas vulneráveis, destroçadas e marginalizadas. Como é possível ser, contra a pena de morte e ser a favor da eutanásia? A partir do momento que é politicamente aceitável suprimir a vida, situamo-nos num plano inclinado em que o valor da Vida Humana é questionado.

Embora tecnicamente o conceito de “rampa deslizante” se restrinja ao aumento do número de mortes sem consentimento explícito, a verdade é que as estatísticas também demonstram o efeito da “rampa deslizante” no aumento exponencial do número de mortes por eutanásia e no alargamento das indicações para eutanásia (de doentes oncológicos terminais para doentes sem doença terminal ou mesmo sem doença fatal, e para pessoas de qualquer idade).

A Europa tem a obrigação de defender os mais vulneráveis e sancionar aqueles que cometem, novamente, monstruosos abusos contra a Humanidade muito semelhantes ao programa T4 da época nazi. Porém, se os europeus deixarem tudo como está, a tendência será para generalizar a prática da eutanásia a todos os Estados Membros da União Europeia e alargar ainda mais o âmbito da sua utilização. Assim, é necessário sensibilizar a classe política portuguesa e a comunicação social para a irreversibilidade social da legalização da prática da eutanásia e do suicídio assistido. A aceitação parlamentar de um projeto de lei sobre a eutanásia sugere a normalização da conduta.

Nos Países Baixos a “normalização” da prática da eutanásia já aconteceu e o retrocesso da norma da lei parece impossível. Nestes países existem equipas multidisciplinares hospitalares e comunitárias, consentidas pelo sistema de saúde, que identificam e pressionam os vulneráveis da sociedade a pedirem a eutanásia com toda a normalidade. Por outro lado, existem movimentos civis na sociedade belga para restringir os direitos à objeção de consciência de médicos, enfermeiros e das instituições de saúde à lei da eutanásia. Recentemente, movimentos na sociedade holandesa conseguiram, a extensão da prática da eutanásia dos filhos para os pais doentes (auto-eutanásia, isto é, sem qualquer intervenção de profissional de saúde, em Chabot, B.E., Goedhart, A., 2009. A survey of self-directed dying attended by proxies in the Dutch population, Soc. Sci. Med. 68 (10), 1745e1751) e, já se notam sinais para a eutanásia poder ser encarada como um direito humano.

Com a sociedade instrumentalizada os chefes dos governos dos países que legalizaram a eutanásia deixaram de investir na área da medicina paliativa (Eutanásia politica). Por conseguinte, é necessário muita prudência antes de escolher legislar, pois não existem mecanismos de controlo eficazes para monitorizar as práticas da eutanásia nem para assegurar a legalidade dos procedimentos

Médica Oncologista
Coimbra, 7 de Abril de 2016