A Assembleia da República agendou a votação das várias propostas legislativas sobre a eutanásia (PEV, PAN, PS e BE) já para o dia 20 de fevereiro. Este é um assunto complexo que merecia uma enorme ponderação e reflexão.
A Associação Médica Mundial reiterou recentemente a sua oposição à legalização da eutanásia e ao suicídio medicamente assistido, após um processo de análise aprofundada sobre este tema. Também entre nós, seis bastonários da Ordem dos Médicos, incluindo o atual bastonário, Dr. Miguel Guimarães, rejeitaram publicamente a despenalização da eutanásia. O Conselho Nacional de Ética e Deontologia da Ordem dos Médicos (que já tinha emitido um parecer negativo em 2018) voltou novamente a emitir um parecer negativo aos atuais quatro projetos de legalização da eutanásia e do suicídio assistido apresentados pelos partidos políticos nesta legislatura.
O parecer do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida ainda não é conhecido, estando prevista uma reunião para o dia 17 de fevereiro (três dias antes da votação). Mas, mais uma vez, é tudo feito à pressa, sem qualquer respeito pela ética e pela prudência que uma matéria desta natureza deve ter. Pelos vistos, os deputados, que vão legislar sobre esta matéria, não precisam de ler e refletir sobre o documento, pois a decisão já está tomada.
Afinal, qual é a razão desta pressa? Qual é a urgência de se legalizar a eutanásia quando há uma forte oposição dos médicos, designadamente da OM? Por que motivo não se investe nos cuidados paliativos quando esta área é tão deficitária em Portugal? É preciso realizar um enorme investimento na saúde para que se possa aliviar o sofrimento de quem tem doenças graves e incuráveis. De outro modo, escolhe-se o caminho mais fácil e mais económico, já que com a eutanásia não se elimina o sofrimento, eliminam-se vidas humanas.
Já se percebeu que, para alguns partidos políticos, não há grande interesse no debate sobre a eutanásia. A lei tem de ser aprovada, custe o que custar. O mais importante é a «concretização» — com se fosse uma compulsão — de mais uma obsessão legislativa fraturante. Prefere-se a ação à reflexão ponderada, prefere-se «matar» em vez de «cuidar».
Quando um doente pede para ser morto porque acha que a sua vida não tem sentido, porque sente que a sua vida perdeu dignidade, porque sente que é um peso para os outros, o Estado não deve validar esse sentimento. Caso contrário, a dignidade da vida humana passa a ser perigosamente volátil e a sua perda um pretexto para se autorizar a eutanásia. Além disso, deixariam de ter sentido as políticas públicas de prevenção do suicídio e os psiquiatras ficariam numa situação de enorme fragilidade para convencer os doentes de que vale a pena lutar contra a depressão.
Mas, façamos mais uma breve reflexão sobre outro risco de se legalizar a eutanásia. Neste caso, o Estado transmite pela via legislativa uma mensagem clara: a vida humana pode perder dignidade. Com o tempo, este passará a ser um argumento para se permitir cada vez mais «homicídios a pedido da vítima», e até mesmo sem que esta tenha expressado conscientemente esse pedido (eutanásia involuntária). Estes atos já́ ocorreram no passado em regimes totalitários, como no regime nazi, em que a eutanásia era praticada até em pessoas saudáveis, por razões arbitrárias e de pendor racista.
Mas não se julgue que estamos muito longe desta situação, nos países em que a eutanásia foi legalizada. As legislações holandesa e belga permitem a eutanásia de crianças com o consentimento dos pais. Na Holanda também se tem admitido a eutanásia de pessoas demenciadas quando a sua vontade se manifestou antes da evolução da doença e quando ainda estavam em condições de fazê-lo em consciência. Por conseguinte, torna-se impossível de saber se a pessoa em causa não poderia ter mudado de opinião entretanto, como muitas vezes sucede com a aproximação da morte ou com o tratamento psiquiátrico adequado. Basta recordar o caso recente de uma doente de 74 anos com Alzheimer que, embora tenha declarado 4 anos antes que pretendia ser eutanasiada quando perdesse as capacidades intelectuais e volitivas, resistiu fisicamente, num gesto de luta pela sobrevivência, ao procedimento de eutanásia realizado pelo médico com recurso à força.
Em suma, este assunto complexo não pode ser tratado com pressa e ligeireza. Convém recordar que «o Estado não ama as pessoas» e a eutanásia é uma forma fácil e enganadora de enfrentar o sofrimento. Quando uma pessoa está cercada pelo desespero, devemos estender-lhe a mão, aliviando-lhe o sofrimento, em vez de a conduzir para o suicídio. Esta é a verdadeira compaixão que ilumina há séculos a boa prática médica e alimenta a solidariedade entre os homens.