A publicitação das decisões políticas e a livre cobertura editorial efectuadas pelos media são um dos traços característicos das democracias contemporâneas. Os políticos tomam decisões, anunciam-nas ao país, e os órgãos de comunicação social cá estão para intermediarem essa relação.
Este não é um texto sobre as virtudes da democracia, ou sobre os deméritos da imprensa (para o efeito, a ordem é aleatória). Este é um texto sobre avaliações. Se houvesse um ranking das acções e omissões dos ministérios da educação poderíamos, sem entrar na tentação das comparações (até porque seriam prematuras e, porventura, injustas) afirmar que no curto tempo que este Governo leva em funções coexistem duas realidades opostas: um claro superavit de decisões e um manifesto deficit de discussão e debate.
Este excesso de decisões tomadas em tão pouco tempo, e de forma tão pouco dialogada e fechada ao contributo de terceiros, limita a política educativa e ignora a sua importância estrutural para o nosso futuro colectivo. Acabar com os exames, substituindo-os por provas de aferição, pode não ser necessariamente mau. Mas acabar com os exames a meio de um ano letivo, alterando regras estatuídas e trazendo instabilidade para o seio das escolas e das comunidades educativas não é, seguramente, uma coisa boa.
Não se pense – não se pode pensar – que é positivo, ou sequer indiferente, com o segundo período em fase de arranque, comunicar a dezenas de milhar de alunos que não vão realizar exames nacionais no 6.º ano, dizer que o teste de Cambridge do 9.º ano já não existe e que já não conta para a nota, e informar outras dezenas de milhar de alunos dos 2º, 5º e 8º anos que vão ter que fazer provas de aferição às disciplinas de Português e Matemática já daqui a cinco meses.
Como não é positivo, ou indiferente, o Ministério da Educação decidir como se as suas decisões não tivessem impacto certo sobre todo o sector. Vale a pena sublinhar que o sector não estatal de educação representa um pouco mais de 20% de todo o sistema educativo nacional, do pré-escolar ao secundário. Falamos de cerca de 700 escolas onde estudam cerca de 330 mil alunos e trabalham cerca de 45 mil docentes e não docentes.
Ora o Ministério da Educação pode declarar unilateralmente o fim dos exames. Mas será que ponderou se as suas decisões afetam directamente uma parte substancial do sistema de ensino que pode não querer que tais exames acabem? E que, decidindo pela sua extinção nas escolas estatais, está a prejudicar directamente as escolas que, pela autonomia conquistada, querem continuar a fazer os exames? O Ministério está nesse direito, é certo, mas o Estado é suposto ser uma pessoa de bem. Por não ter ouvido ninguém, assegurando que quem quisesse continuar poderia fazê-lo em condições pelo menos semelhantes, retirou o tapete ao sector privado da educação.
O Ministério poderia ter-se preocupado. Mas não se preocupou. É uma questão de atitude, é uma questão de forma. E a forma, em política – como na vida em sociedade – é algo que conta muito. As decisões do Ministério da Educação não afetam “apenas” a escola pública mas 330 mil alunos cujas famílias optaram por um projecto educativo diferente.
Tomar decisões no respeito pela autonomia das escolas implica ouvi-las, manter um diálogo permanente com o sistema e decidir mais em função das necessidades e projectos deste do que das opiniões próprias.
Para levar a bom termo a sua missão, a nova equipa do Ministério da Educação não poderá tomar decisões à pressa e sem verdadeira concertação com quem tem de educar. E deve governar para o país, na riqueza da sua diversidade, e não para um sub-sistema corporativo, nivelando as decisões que toma pela política da “escola única”.
Ainda vai a tempo de fazer diferente. Mas é preciso que queira.
Vice-presidente da Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo