1 Não sou uma fã da chamada política das borlas que se instalou na nação. Manuais escolares gratuitos, passes gratuitos e outras benesses concedidas por um Estado falido não me parecem o caminho certo para um futuro melhor. Abro, no entanto, uma exceção para uma medida que entrou em vigor há poucos dias: as creches gratuitas.

Garantir a gratuitidade das creches para as crianças, beneficiando os poucos pais que ainda arriscam ter filhos neste país cada vez mais envelhecido, é muito mais do que uma medida social, é uma política reformista com potencial para garantir o futuro do país. Todos os estudos indicam que os portugueses gostariam de ter mais filhos caso tivessem condições para garantir o seu futuro. Os níveis cada vez mais baixos de natalidade (somos neste momento o segundo país da Europa com menor taxa de natalidade) têm que ver com a falta de condições dos pais e não com o seu desejo real. Num país com uma crise demográfica sem precedentes, em que é mais caro ter um filho na creche do que um filho na universidade, garantir a gratuitidade das creches não é um benefício, é uma questão de bom senso e uma verdadeira reforma política.

Não sei se foram estas as razões para a implementação de tão importante medida. Provavelmente não foram. Mas, numa semana em que se prenuncia o anúncio de um pacote de medidas para o apoio às famílias, vale a pena dizer que esta é a medida de maior impacto e com maior garantia de dar frutos para o futuro do país.

2 À hora a que escrevo ainda não sei o que vai o Governo decidir sobre o aumento das rendas. Espero que não seja uma imposição aos senhorios, impedindo-os de aumentarem as rendas de acordo com os valores da inflação. Vivemos muitas décadas a pedir aos senhorios que garantissem as políticas sociais de habitação do Estado. Ao contrário do que digo acima sobre as creches, impor limites ao aumento das rendas à custa dos senhorios é uma medida que só fará atrasar mais uma vez o país. Salazar fê-lo durante todo o seu consulado e o regime democrático levou quarenta anos para mudar o cenário. O resultado foi a ruína das nossas cidades juntamente com a falência dos senhorios e a decadência em que viveram muitos portugueses. Com rendas congeladas durante décadas, as casas degradaram-se e nem senhorios nem arrendatários tinham dinheiro para as recuperar.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A solução para o aumento das rendas só pode passar por um subsídio estatal às famílias mais carenciadas. Se o ónus for imposto aos senhorios o país recua oitenta anos, diretamente de 2022 para o regime do Estado Novo.

3 Não sou uma especialista em temas internacionais, mas sou contemporânea de um grande vulto da nossa história moderna: Mikhail Gorbatchov. O último líder da União Soviética fez a minha geração sonhar com um mundo novo, mais igual, mais justo, mais feliz e mais racional. O excelente filme Good Bye Lenin! mostra-nos de forma divertida o que o mundo mudou em poucos anos graças ao espírito astuto e generoso deste homem. Ficamos a dever-lhe décadas de um mundo livre para todos, particularmente para os milhões de cidadãos da ex-União Soviética sacrificados e martirizados durante décadas pelo violento e criminoso regime comunista. É por isso que acho que o mundo inteiro, particularmente a minha geração, deve a Gorbatchov a homenagem que o novo tirano russo não lhe quis dar: honras de um funeral de Estado e o estatuto de herói universal. Obrigado, Mikhail Gorbatchov.

4 Hoje faz anos Adriano Moreira. Cem anos de uma vida de serviço ao país, com a fortaleza e o caráter que só um transmontano consegue conciliar. O professor Adriano Moreira foi tudo e não foi nada num país que tende a valorizar mais os cargos do que as pessoas. Em cem anos lúcidos e ativos vivem-se muitas realidades, muitos regimes, conhecem-se e marcam-se muitas pessoas de muitas proveniências. Isto não quer dizer que se seja incoerente, pelo contrário, quando se é sábio, consegue-se conciliar a coerência com a inteligência de acompanhar a evolução da história e evoluir no pensamento de acordo com os valores iniciais. No caso do professor Adriano Moreira, foram os valores da democracia cristã, o eixo da roda, como lhe chama. Num tempo de grave crise das ideologias e da política, é um sinal de esperança podermos ainda contar com a sabedoria do professor Adriano Moreira. Os cristãos acreditam que cada minuto de vida é um minuto necessário e os minutos de vida que Adriano Moreira ainda tem, espero que muitos, são para aproveitar. Parabéns pelo centenário a Adriano Moreira e à sua família. Tenho a certeza de que o seu filho Nuno está a festejar no céu com uma festa de arromba.