Nestes tempos de crise, regressa o fantasma keynesiano de um Estado interventor que se endivida para fazer face às necessidades da economia e que hipoteca as ambições das gerações vindouras. Sendo que a despesa agora em causa não tem paralelismo num qualquer New Deal, alicerçado num investimento em obras públicas ou em infra-estruturas eventualmente potenciador de sinergias galvanizadoras da economia interna.
A despesa que o Estado incorre neste período Covid-19 tem somente por objectivo congelar a economia, na utópica esperança de que a mesma regresse, na melhor das hipóteses, ao estado em que se encontrava anteriormente, uma vez afastadas as negras nuvens do vírus e abertas as comportas do desconfinamento. E o estado em que a economia se encontrava, longe de ser recessivo, não era de todo risonho, nem de prósperos augúrios.
Assim, medidas como o lay-off simplificado, disponibilização de crédito com garantias a fundo perdido do Estado, descidas de IVA em determinados sectores, entre outras, constituem autênticas oblações estatais, sem qualquer perspectiva de retorno, para além do já abordado efeito freezer. Sem capacidade de gerar riqueza, não é assim espectável que esta intervenção do Estado venha de algum modo a ser compensada através de receitas futuras, como o foram as medidas de Roosevelt a seguir à grande depressão de 1929 e, bem assim, as medidas adoptadas pela generalidade dos países europeus nas décadas de 50 e de 60 do pós-guerra.
Sem criticar tais medidas, uma vez que sem elas o cenário seria verdadeiramente dantesco para Portugal, a verdade é que se impõe encontrar e equacionar soluções, que nos permitam sair desta crise com o mínimo de perspectiva e de conforto sobre as próximas décadas.
À primeira vista, o único horizonte que se vislumbra, como solução para a recuperação desta despesa, é o da continuidade da imposição de uma carga fiscal que é já das maiores da Europa (representando 35% do PIB), e que, qual ciclo vicioso, continuará a estrangular a economia e os cidadãos, impedido o crescimento do país num curto, médio e mesmo longo prazo.
Muitos dirão que tal cenário não é necessariamente concretizável, tendo em consideração que da União Europeia virão fundos que suprirão a carência de receitas orçamentais. Contudo, ainda que tais fundos venham, para além de ser duvidoso que os mesmos estejam isentos de custos financeiros para o país, não irão certamente ser canalizados para sectores catapultantes da economia, mas sim para o pagamento da pesada factura suportada pelo Estado para suster esta crise.
Nesta medida, propala-se já a ideia da criação de um imposto europeu “de guerra”, a incidir sobre imóveis, depósitos e outras realidades estáticas não geradoras de rendimento. Esta medida, de duvidosa legitimidade constitucional, porque verdadeiramente expropriatória, criaria mais um espartilho, suportado pelos mesmos de sempre, ou seja, pelos cidadãos que, com o seu mérito e suor, acumularam alguma poupança e património.
Em alternativa ou complementarmente, surgem ecos do regresso do aumento de impostos, como foram o adicional ao IRS e IMI e o complemento de solidariedade, e fala-se veladamente em ressuscitar o imposto sucessório, em criar um imposto sobre o luxo ou em aplicar os cortes salariais já experimentados durante quase toda a década transacta. Em síntese, impostos, impostos e mais impostos.
Mas porque não inovar e aproveitar esta crise para ensaiar um verdadeiro choque fiscal, que potencie uma maior disponibilidade monetária aos cidadãos, com impacto imediato no consumo e, consequentemente, na vitalidade empresarial? A perda imediata e potencial de receita seria recompensada a curto/médio prazo pelo estímulo económico de tal choque, com inevitável reflexo na receita fiscal do Estado.
Assim, a redução drástica do IRS (sem alteração imediata nas tabelas de retenção, o que permitiria ao Estado manter a liquidez corrente) e do IRC (em função de determinados requisitos, tais como a criação de emprego, o reinvestimento tecnológico ou a atribuição de prémios aos trabalhadores), complementada por um incremento do IVA entre os 3% e os 7% (para uma taxa normal entre os 26% e os 30%), permitiria colocar do lado dos cidadãos e das empresas a responsabilidade pelo crescimento económico, ao dotá-los de recursos financeiros para consumir, investir e criar riqueza.
No fundo, teríamos uma quebra de receita do Estado potenciadora de colocar mais dinheiro na economia, com um contrapeso estruturado num IVA mais robusto, que afectaria apenas quem consome, numa lógica fiscal de utilizador-pagador.
Tal choque teria ainda a virtualidade de atrair investimento estrangeiro, designadamente de Espanha, numa altura em que são já conhecidas algumas das medidas do enorme aumento da carga fiscal resultante do pacto PSOE/Podemos. A criação de uma medida ao estilo do regime fiscal dos “residentes não habituais” (presentemente em vigor em sede de IRS) para empresas que se redomiciliassem para Portugal, e que concedesse isenções fiscais ou taxas de tributação reduzidas nos primeiros anos de instalação, poderia ser um autêntico isco para as empresas espanholas apreensivas com o iminente sufoco fiscal e que não veriam uma deslocalização para Portugal, pela proximidade geográfica, como um custo assinalável. A criação de emprego e de riqueza resultantes de uma tal medida, para além de todas as externalidades positivas a ela associadas (incremento tecnológico, competitividade e capacidade de exportação), poderia ser o fermento para a propulsão da economia portuguesa.
Por seu turno, a esperada retoma do sector do turismo (que valeu, em 2019, mais de 8% do PIB e 20% das exportações), aliada ao referido aumento da taxa de IVA, iria sem dúvida aumentar de forma considerável, e com um maior impacto sobre cidadãos estrangeiros (em 2019, 60% do turismo em Portugal teve origem no estrangeiro), a receita daquele que é o imposto mais certo e eficaz do nosso sistema fiscal.
Exemplos como a Irlanda, Hungria e Roménia, fazem-nos acreditar que é possível crescer com a redução a la carte de impostos.
Sem deixar de reconhecer a ousadia e o risco deste tipo de reforma, há que ser, como já o fomos outrora, bandeirantes e navegadores, e experimentar alternativas às mesmas soluções de sempre e que nunca nos trouxeram mais do que estagnação ou crescimento imaterial. Por tudo isto, ousemos.
Advogado Fiscalista