A educação é uma prioridade para os Global Shapers Lisbon Hub, não só por ser um eixo de atuação que permite a ação convergente deste nosso grupo eclético, mas também, e sobretudo, pelo potencial de geração de competências fundamentais à mudança. Numa altura em que milhares de jovens ponderam opções profissionais face aos resultados obtidos nos exames nacionais, aproveito para recordar o caminho que Portugal tem feito para se reaproximar do seu mar e algumas das iniciativas para fomentar a compreensão do potencial da economia azul.
A geografia brindou Portugal com uma ligação privilegiada ao mar. Resolvidas as fronteiras terrestres com a potência vizinha e perante a necessidade de garantir o nosso desenvolvimento, fizemo-nos ao mar. Dotados de uma clarividência estratégica, ambição e audácia, soubemos congregar os nossos recursos para a epopeia marítima. Demos novos mundos ao mundo, antecipando a globalização ao estabelecer rotas marítimas suplantando as rotas terrestres – a Rota da Seda – provocando a disrupção do comércio internacional. Feito alcançado pela congregação da vontade do Rei D. João II que definiu uma política, do Infante D. Henrique que desenhou uma estratégia, sustentada pela mítica Escola de Sagres, onde se formaram os inúmeros navegadores que a executaram, financiados por mercadores como Fernão Gomes, o que à luz dos nossos dias pode ser entendido como um exemplo de uma Parceria Público-Privada (PPP) virtuosa para ampliar a riqueza do país.
O pós-revolução de Abril suscitou a necessidade de ultrapassar o ideal de império para consolidar a democracia e a integração europeia. A adesão à União Europeia (UE) levou ao desenvolvimento económico do país sustentado na aposta continental, descurando-se a fachada atlântica, ainda que tal opção nos tenha empurrado para um estatuto periférico.
Vendo Portugal de costas voltadas ao mar, as elites mobilizaram-se para demonstrar a importância de voltar a apostar no mar, onde a geografia nos confere centralidade e relevância geopolítica. Conseguiram preservar nos diversos fóruns internacionais a identidade marítima nacional ao contribuir significativamente para o desenho das políticas de governação marítima a nível internacional, sobretudo europeu.
O discurso político foi crescentemente espelhando a vontade de apostar na valorização do mar. A realização da Expo’98 subordinada ao tema “Os oceanos: um património para o futuro”, consolidou a imagem internacional de Portugal enquanto país marítimo e internamente reacendeu na sociedade o imaginário do mar. Os presidentes da República, desde Mário Soares, incluíram o mar nos seus discursos e os governos contemplaram linhas de ação nos seus programas, sustentando o mar como desígnio nacional.
A ratificação portuguesa da Convenção das Nações Unidas para o Direito do Mar (CNUDM) em 1997 veio marcar um ponto de inflexão ao conferir a possibilidade de expansão do território marítimo nacional. Esta convenção consigna toda uma panóplia de direitos e deveres aos estados costeiros, conciliando a possibilidade de alargamento da plataforma continental – solo e subsolo do fundo do mar – com o carácter do fundo mar enquanto património comum da humanidade, ao estabelecer limites baseados em critérios jurídico-científicos.
O marco decisivo da afirmação do interesse nacional no Atlântico foi a apresentação da proposta portuguesa de extensão da plataforma continental para além das 200 milhas marítimas, junto da ONU em 2009. Aumentando, caso seja deferido, a área de jurisdição nacional para cerca de 4.000.000 quilómetros quadrados, equivalente a 90% da dimensão do território terrestre da UE – 40 vezes a área terrestre de Portugal.
Só foi possível concretizar esta proposta pela aposta no investimento tecnológico para investigação avançada no mar profundo, essencial à realização dos trabalhos técnicos e científicos requeridos para a sua fundamentação. Dada a profundidade dos limites do nosso território marítimo (cerca de 6.000 m), Portugal teve que adquirir meios e competências na vanguarda da tecnologia marítima para o estudo do fundo do mar.
O desenvolvimento do conhecimento científico e as consequências visíveis da pegada humana têm promovido uma preocupação crescente com o ambiente e o desenvolvimento sustentável. Mote para a adoção das designações como economia azul e crescimento azul – modelo económico adotado para a exploração do mar que subentende a exploração económica do mar de forma sustentável.
Portugal, de alguma forma precursor na UE neste domínio, há muito definiu uma Estratégia Nacional para o Mar – atualmente consubstanciada na ENM 2013-2020 – com contributo fundamental do setor privado. Destacam-se o Relatório da Comissão Estratégica dos Oceanos, de 2004, e o estudo “Hypercluster da Economia do Mar – Um domínio de potencial estratégico para o desenvolvimento da economia portuguesa” (SAER/ACL: 2009), do qual resultou a criação do Fórum Empresarial para a Economia do Mar – hoje Fórum Oceano. Ambos os documentos são contributos válidos e atuais para a dinamização do potencial do mar em Portugal. Paradigmáticos de como a História é cíclica ao espelhar o interesse da iniciativa privada em encontrar soluções que uma vez adotadas lhes permitam fazer o que sabem, gerar riqueza!
A ENM, apesar de por muitos criticada, enquanto megalómana e com efeito prático questionável, sobreviveu à alternância política em 2015 e tem norteado o desenvolvimento da economia azul. Aliás, os documentos e estudos da economia do mar elaborados, quer por governos quer pela sociedade civil, têm tido um carácter evolutivo e não contraditório. Infelizmente, as vulnerabilidades identificadas nos diversos documentos, tais como dificuldades no acesso a financiamento, burocracia excessiva e descoordenação entre empresas e centros de I&DT, mantêm-se. Vulnerabilidades transversais a outros setores da economia, agravados pela ausência de uma cultura marítima de que resulta e promove o défice de competências específicas em várias fileiras do setor. Apesar da análise de vulnerabilidades da economia azul nacional poder alimentar perspetivas pessimistas e derrotistas, opto por recordar que os Descobrimentos se fizeram num século a custo de lágrimas de Portugal e da necessidade de ir além da dor para dobrar o Bojador.
O défice de competências específicas é um problema transversal em vários setores da economia azul no espaço europeu – Skills and career development in the blue economy – assim como a falta de cultura marítima, já identificada a nível internacional. Lacunas que se tem procurado colmatar através de iniciativas que promovam a literacia dos oceanos, sobretudo entre a comunidade escolar, para estimular o gosto e a compreensão do potencial do mar, condição essencial para o desenvolvimento de competências adequadas aos desafios do paradigma do crescimento azul.
O modelo de crescimento azul sustenta-se na capacidade de pesquisa (conhecer o oceano), exploração (viver do oceano) e preservação (viver com o oceano) e o seu sucesso está intimamente dependente da massificação da perceção da sua importância, porque só se pesquisa, explora e preserva aquilo que se conhece.
O conceito de Literacia dos Oceanos foi lançado nos EUA, materializando-se na comunicação de sete princípios essenciais que facilitam a compreensão da interdependência entre os oceanos e as nossas vidas. Foi adotado a nível europeu como tema agregador de diversos projetos dos quais se destaca o Sea Change, enquadrado na política europeia Horizonte 2020.
A nível nacional, a literacia dos oceanos tem vindo a ser trabalhada através de diversos projetos dos quais destaco o Kit do Mar – coordenado pela EMEPC – e o projeto Conhecer o Oceano – promovido pela rede Ciência Viva que articulou os sete princípios dos oceanos com os programas letivos dos diferentes níveis de escolaridade – entre dezenas de projetos mais pequenos, maioritariamente financiados pelo EEA Grants 2009-14, executado pela Direção-Geral de Política do Mar.
O EEA Grants lançou um novo ciclo de financiamento do “Crescimento Azul, Inovação e PME” nas áreas de desenvolvimento de negócios, Inovação e PME (Pequenas e Médias Empresas), Investigação, e Educação, bolsas de estudo, literacia e empreendedorismo jovem, num novo ciclo 2014-21. Uma proposta para massificar a literacia dos oceanos seria escalar o Concurso Nacional Kit do Mar e criar as Olimpíadas do Mar, inspirado no sucesso dos concursos escolares Olimpíadas da Matemática, Física, Biologia, etc. que têm eliminatórias regionais, nacionais e internacionais e contam com a participação de milhares de alunos por ano.
Outra das medidas adotadas para capitalizar o conhecimento do mar e fomentar a inovação tem sido o incentivo ao empreendedorismo do mar. Várias entidades têm visto no sucesso do empreendedorismo nacional aliado à necessidade de inovação e modernização da economia do mar o mote para diversas iniciativas para cativar o interesse do setor empreendedor, das quais destaco a Mare Startup, que congrega a academia, empresas, prestando consultoria e formação – nomeadamente através da Pós-Graduação em Ciências, Gestão e Administração do Mar, em que o Global Shaper Diogo Alves leciona uma cadeira de empreendedorismo e inovação.
“The sea is a dark, cold, wet and mysterious place that makes you sick. We know less about its bottom than we do about the surface of the moon.” [“O oceano é um local escuro, frio, húmido e misterioso que nos deixa enjoados. Sabemos menos sobre as suas profundezas do que sobre a superfície da lua”] — Professor Geoffrey Till
Continuemos a formar e a atrair conhecimento e investimento para reerguer a mítica escola de Sagres quinhentista e ser um entreposto relevante nesta nova epopeia que será a descoberta do fundo do mar! O Fórum Económico Mundial tem acompanhado as perspetivas de disrupção da Tecnologia Azul no contexto da quarta revolução industrial, com enorme potencial. Recordando o caminho percorrido e a percorrer para reinventar ‘Portugal enquanto Nação Startup‘, quem sabe quantas destas inovações tecnológicas poderão ter o seu berço nesta ocidental praia lusitana?
Rui Esteves tem 28 anos e é Oficial de Marinha, formado em Ciências Militares Navais. Juntou-se aos Global Shapers Lisbon Hub em 2014.
O Observador associa-se aos Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. Ao longo dos próximos meses, partilharão com os leitores a visão para o futuro do país, com base nas respetivas áreas de especialidade, como aconteceu com este artigo associado à Economia do Mar. O artigo representa, portanto, a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.