O filme futurista de culto, Blade Runner, prospectiva um mundo onde muitos trabalhos são desenvolvidos por “replicantes”, cópias de seres humanos, mais fortes e mais inteligentes que estes, mas com um tempo de vida limitado. No filme, estes seres, foram desenvolvidos para trabalhar em condições adversas e em planetas distantes. No fundo os funcionários públicos ideais, altamente funcionais, substituíveis, já que são produzidos em fábricas e que nem sequer precisam que se lhes pague a reforma. Infelizmente é ficção, mas mesmo na ficção há uma revolta, os “replicantes” querem o direito a uma vida humana, sem prazo de validade.

Na vida real, actual, sempre que não é possível substituir o humano por uma máquina ou pela “inteligência artificial”, há que motivar “as tropas”, sejam elas militares ou civis, professores ou profissionais de saúde, técnicos ou administrativos. Sem complicar muito (para isso temos muitas teorias “comprovadas”) diria que há pelo menos cinco constantes a considerar na motivação “das tropas”: um horizonte temporal realista em que a sua vida pode melhorar, que as possibilidades são dadas a todos por igual, equidade, que o esforço é recompensado e que a diferenciação é reconhecida.

Ora nada disto é realidade na função pública. Começando pela avaliação de desempenho, que na maioria dos funcionários é feita através do “SIADAP” um sistema “universal” para avaliar todo o funcionalismo. O sistema foi configurado para dar resposta a um ano de trabalho com base em 3, 4 ou 5 descritores. As classificações são dadas numa escala de 1 a 5, como no ensino preparatório, o que acarreta grandes distorções e iniquidades.

Finalmente as “quotas”! define o SIADAP que haverá quotas de classificação, que não são todos bons nem todos maus e que não compete sequer ao classificador definir quem é bom, muito bom ou mau, mas à regra das quotas. Com grande publicidade e expectável gaudio dos avaliados, foram redefinidas as ditas quotas. Segundo o artigo 75.º, do SIADAP, a diferenciação de desempenhos é garantida através da fixação das seguintes percentagens:

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

a) 30 % para as avaliações de desempenho muito bom e, de entre estas, 10 % do total dos trabalhadores para o reconhecimento do desempenho excelente;
b) 30 % para as avaliações de desempenho bom.

Há um valor, uma percentagem, que não é descrita no diploma, mas que decorre dos valores anteriores: 40% terão de ter classificação de suficiente ou insuficiente, independentemente do seu desempenho.

Ora vamos pensar num exemplo prático: 10 investigadores trabalham e descobrem a pólvora ficam contentes, o laboratório estatal ganha mais uma estrela, os noticiários difundem a boa nova…no final do ano, 3 investigadores serão classificados com muito bom, 3 com bom e 4 com suficiente. Isto não é gestão, é mesmo aberração.

Como pode alguém ser “motivado” sabendo que mesmo que tenha um desempenho impecável, excelente, a quota não lhe permite ser considerado como tal.

Para ajudar, os custos com a ADSE (assistência na doença), aumentaram muito e, por via das péssimas negociações feitas, a oferta desceu, muitos médicos deixaram de ser prestadores de serviços à ADSE.

Há dias, os partidos que suportam o governo propuseram uma redução do IRS atá ao 8º escalão, a proposta foi chumbada por toda a oposição, (BE, PCP, PAN, PS e Chega) com execepção da IL, assim, funcionários como os militares a partir de coronel, os médicos, enfermeiros especialistas, professores, as forças de segurança a partir de superintendente não vão ver o seu rendimento melhorado, passaram a ser considerados “ricos”.

Tem havido, onde mais se precisa, como na saúde, no ensino e nas forças de defesa e segurança, uma debandada dos serviços a que acresce uma enorme dificuldade na contratação, situação aliás pública. Quem quer ser, nestas condições, servidor público?

Com a extinção das carreiras, acabaram as provas que eram feitas para subir de patamar. As provas eram um sistema de controlo das subidas, garantindo por um lado uma estrutura piramidal e por outro que as condições de acesso eram idênticas (equidade).

Nesse tempo havia duas possíveis subidas, uma que decorria da inflacção e do tempo de serviço chamemos-lhe “horizontal” (acréscimo pequeno) e outra mais forte (“vertical”) que obrigava a provas. Defendo o regresso que deste princípio que entendo motivador.

O tão alegado elevador social (que supostamente era posto em marcha pela educação) encravou no 1º andar e neste momento está em descida para a cave. Hoje os mais habilitados estão longe de conseguir ir de férias para lugares exóticos e distantes. Pior, são chefiados por pessoas com menos ou nenhuma habilitação, que têm uma “carreira”, mas nos corredores partidários.

Entendo que se deve refazer todo o sistema de avaliação, começando na escala que deverá promover a diferenciação, por exemplo de 0 a 20, que o tempo de atingir o topo tem de ser realista, digamos 20 anos para quem for sempre muito bom e 25 para quem “só” for bom. Se voltar a haver carreiras estruturadas em pirâmide as quotas até podem deixar de fazer sentido.

Repor provas, teóricas (e práticas quando a carreira o justifique). E valorizar os curricula pesando o que traz valor ao sistema e não situações abstratas.

Um Estado não existe sem as suas estruturas de suporte. Se é na versão minimalista, chamemos-lhe liberal, ou maximalista, seja socialista, depende da decisão política, na certeza de que as que ficarem devem funcionar bem. Ora a maioria das funções do Estado são funções com uma forte componente humana, sem motivar não se conseguirá nem um desempenho satisfatório nem manter os existentes ou recrutar futuros. Se a função pública perdeu 12,9% de poder de compra desde 2010 e a forma de gestão não mudar, brevemente a máquina fica como as locomotivas em que caiu o motor.

Vamos sabendo que o número de funcionários vai aumentando, na certeza que não é onde são precisos.

Importa que a contratação das unidades de gestão seja feita de forma não partidária, por quem tenha provas dadas e que não se enquadre no fatídico princípio de Peter.

Finalmente, que, quem quer pagar bananas acabará por comprar o que não quer.