Há umas semanas, tive dificuldades inusitadas para comprar ovos. Sim, ovos. Havia ovos de galinhas de solo, ovos de galinhas alimentadas com cereais, ovos de galinhas de campo, e ainda uns ovos de outra-coisa-qualquer-de-que-não-me-lembro. Todos os ovos que havia naquele supermercado eram ovos de criadores preocupados com a felicidade e a realização profissional das poedeiras. Tive de ir a um segundo supermercado para encontrar ovos de galinhas maltratadas, que, evidentemente, são os mais baratos — e mesmo ali estavam escondidos num canto. O que é mesmo impressionante é a variedade de preços, havendo ovos que custam três vezes mais do que outros. Como é que essencialmente naquilo que é o mesmo produto, exposto lado a lado, os preços variam tanto?
A teoria económica tem uma boa explicação para esta segmentação de preços. E tem a ver com a maximização do lucro, com o excedente do consumidor e o excedente do produtor. Desculpem o jargão, mas eu explico. O excedente do consumidor é a diferença entre o valor máximo que um consumidor estaria disposto a pagar por um ovo e o preço que paga. É uma medida do que o consumidor ganha com a compra. O excedente do produtor é a diferença entre o preço que o produtor recebe e o preço mínimo a que estaria disposto a vender.
Um produtor que queira maximizar os seus lucros tentará cobrar a cada cliente o preço máximo que este está pronto a pagar. Lembram-se de há uns anos se ter descoberto que a Amazon pedia a cada cliente, pelo mesmo livro, preços diferentes? Com base no seu historial de compra, a Amazon estimava quanto é que cada cliente estaria disposto a pagar por um dado livro e tentava cobrar o preço mais alto possível. De certa forma, é como se a Amazon se apropriasse do excedente do consumidor.
Num supermercado, não dá para cobrar preços diferentes pelo mesmo ovo, pelo que a estratégia tem de ser outra. Tentam arrecadar mais dos clientes que são mais insensíveis a uma subida de preços (em jargão económico, clientes cuja procura é mais inelástica) fazendo pequenas (muitas vezes, irrelevantes) variações do produto e cobrando bastante por elas. Assim, para os clientes que estão dispostos a pagar muito mais, estampam na embalagem fotos de galinhas muito felizes, vendendo a ideia de que os ovos são muito melhores por isso e cobrando um preço muito mais alto.
Já sei o que muitos estão a pensar: que os ovos das galinhas de campo, ou de solo, ou de outra coisa qualquer são muito melhores que os engaiolados e que só um bronco como eu poderia dizer o contrário. Mas se pensa assim, está enganado. Ainda há poucos meses, na revista Proteste, da DECO, testaram-se ovos de 20 marcas diferentes, provenientes de galinhas de três tipos de criação: de gaiola, de solo (que vivem em pavilhões) e as de ar livre (que na verdade vivem em pavilhões, mas que em certos períodos acedem a espaços ao ar livre). Infelizmente, apesar de terem incluído ovos de galinhas alimentadas com milho, não incluíram na análise nem ovos biológicos nem ovos enriquecidos.
Avaliaram uma série de itens, desde a consistência da clara à presença de pesticidas e antibióticos, e concluíram que não há relação entre a felicidade das galinhas e a qualidade dos ovos. Aliás, dos ovos testados, as três “escolhas acertadas” eram ovos de galinhas de gaiola, ou seja as mais maltratadas, que eram de qualidade bastante superior aos das duas marcas mais caras (que, como seria de esperar, eram de galinhas de ar livre). Muito provavelmente, o que se passa é que os criadores destas galinhas, ao investirem no ar livre, desinvestem noutras áreas que são mais importantes para a qualidade dos ovos, podendo assim cobrar o triplo do preço por um produto de pior qualidade, graças à ingenuidade de muitos consumidores.
Imagino que haja quem, neste momento, argumente que não se importa de pagar mais desde que isso garanta às galinhas uma vida melhor. Esse argumento ético é, obviamente, válido. Mas tem outras consequências. Por exemplo, a cadeia de supermercados LIDL já suspendeu a venda de ovos de galinhas criadas em gaiolas. Isso pode garantir às galinhas uma vida mais cheia, mas também garante que uma excelente fonte de proteínas baratas acabou de ficar mais cara (especialmente se outras cadeias seguirem o exemplo). Melhora-se a vida das galinhas, mas degrada-se a vida das famílias mais pobres. Portanto, o argumento ético não é tão cristalino quanto se possa pensar.
Apesar do exemplo anedótico, mas verdadeiro, dos ovos, a realidade é que esta estratégia comercial, de cobrar preços diferentes por aquilo que é, essencialmente, o mesmo produto, é muito comum e tem como objectivo o que vos expliquei ali em cima: segmentar o mercado de acordo com a sensibilidade dos consumidores aos preços, cobrando o máximo possível de cada um. Basta passear nos supermercados para ver isso. Na comida de cão, por exemplo, onde as embalagens mais bonitas custam o triplo das embalagens mais feias (no caso da ração da minha cadela, por exemplo, os preços por sacos de 15 kg variam entre os 10€ e os 60€).
Outro exemplo muito comum desta estratégia de diferenciar os preços pelos consumidores é o uso de cupões de desconto. As pessoas que não ligam aos preços compram os produtos que querem e pronto; já quem, por qualquer motivo (que pode ir desde ser mais forreta a ter dificuldades económicas) for mais cuidadoso nas compras, pode usar os cupões para pagar menos pelos mesmos produtos. Assim, cobra-se mais a quem pode pagar mais, não alienando os restantes.
Outra forma muito comum de diferenciar preços é cobrar exorbitantemente por pequenos extras. Por exemplo, ao comprar um carro somos imediatamente confrontados com uma panóplia de escolhas que visa, precisamente, identificar quem está disposto a pagar mais. Identificam os clientes nessa disposição cobrando-lhes um extra pela pintura metalizada e cobrando um extra ainda maior pela pintura mate ou perolizada. Ou pelo tamanho e feitio das jantes.
Quando eu era estudante na universidade, o exemplo típico que era dado desta estratégia era o dos preços dos bilhetes de cinema, que eram mais baratos para quem tinha cartão de estudante. Era um dos exercícios que se faziam nas aulas de Economia Industrial. Considerar que existiam dois tipos de clientes do cinema — por exemplo, estudantes, com uma procura mais elástica, e adultos, menos sensíveis ao preço — e calcular a estratégia de fixação de preços óptima. A conclusão do exercício matemático era simples, uma sala de cinema que cobrasse o mesmo preço a todos ficaria a perder dinheiro. Não só porque cobrava menos do que podia aos adultos, mas também porque perdia alguns estudantes, ao cobrar-lhes mais do que estes estavam dispostos a pagar. Hoje em dia, o nível de sofisticação é um pouco maior, mas ainda assim fácil de entender: não só há uma série de descontos, como ainda há uma série de produtos associados à ida ao cinema. Quem tem apenas 5€ para ver um filme não deixa de ir, quem está disposto a pagar muito mais, fá-lo sob a forma de pipocas e bebidas.
Moral da história, caro leitor: não tenha problemas em comprar o produto mais barato. A maioria das vezes, está simplesmente a não ceder a estratégias de marketing que têm como único fito garantir que o vendedor se apropria do seu excedente. Isto é verdade para quase todos os produtos de que se lembre, desde o leite (em que as análises da Proteste mostram que as marcas próprias são tão boas ou melhores do que as outras) a detergentes.
Bem sei que haverá gente que jura a pés juntos que os ovos com gemas amarelas ou com casca branca ou outra coisa sabem melhor. Sabem o que me fazem lembrar essas pessoas? Os amigos do meu pai, que juravam a pés juntos que o tabaco de cachimbo americano que o meu pai fumava era muito melhor que o português. Notava-se pelo cheiro a sua óptima qualidade. Mal sabiam que o meu pai estava apenas a gozar e que na verdade era tabaco português que ele ia pondo nas embalagens americanas.