O uso acrítico de objetivos quantitativos na gestão pública e privada dá, em regra, origem a problemas graves que, nalguns casos, podem literalmente matar. E se não matam põem a vida e a saúde das populações em risco. Vejamos, num caso concreto, três dos potenciais problemas que a gestão insensata por números comporta.

Primeiro: uma das caraterísticas dos indicadores quantitativos é não darem um retrato completo daquilo que está a ser gerido, mas iluminarem apenas uma das suas facetas. Não há número que que dê adequadamente uma visão global do negócio ou da economia. No entanto, é frequente assumir-se que aquilo que é medido representa fielmente o desempenho que se pretende para o todo.

Foi o que aconteceu em Inglaterra quando, em 2001, por iniciativa governamental se passou a divulgar o desempenho dos Ambulance Trusts, as unidades gestoras de ambulâncias, com o fim de melhorar a assistência em situações de emergência. Estabeleceu-se como objetivo que as ambulâncias chegassem, ao local da urgência, em menos de 8 minutos, em 75% das chamadas. Esta meta foi rapidamente atingida pela maioria das unidades gestoras, para grande satisfação do governo e dos gestores. Curiosamente, descobriu-se que um número considerável das unidades gestoras tinha transferido as ambulâncias localizadas nas zonas rurais da sua área de competência para as zonas urbanas. Como a grande maioria das urgências se dão nas zonas urbanas, a transferência de ambulâncias do campo para a cidade possibilitou, sem grande esforço, o cumprimento do objetivo estabelecido. Mas será que atingir deste modo aquela meta melhora o serviço? A consequência não pretendida, nem prevista, foi fragilizar ainda mais um grupo populacional que, ao viver mais longe dos hospitais, já estava em desvantagem em relação aos habitantes das zonas urbanas. Este é um exemplo de “acertar no alvo, mas falhar na missão”, problema comum na gestão por KPI’s.

Também se verificou que um número anomalamente elevado de ambulâncias passou a chegar ao local da urgência entre os 7 e os 8 minutos. Este é outro efeito comum quando se estabelecem objetivos quantitativos à bruta, e que tem duas causas principais. Uma, que tem o nome técnico de crowding towards the target, é desincentivar o melhor desempenho possível: o importante passa a ser chegar antes dos 8 minutos, não o mais depressa possível: “se der para chegar em 8 minutos, até fumamos um cigarrito antes de sairmos.” O segundo problema é, portanto, o incentivo, não desejado, da mediocridade, nivelando por baixo o desempenho.

A outra causa é incentivar a “massajar os números”: comprovou-se que uma proporção anómala de atendimentos entre os 8 e os 9 minutos tinham sido “corrigidos” para o intervalo entre 7 e 8 minutos. Repare-se que estas “correções” foram feitas por profissionais sérios e competentes, cuja dedicação à causa da saúde pública nunca foi posta em causa. Estas “correções” são o terceiro problema comum em sistemas mal montados de gestão “por números” e demonstram que nem mesmo pessoas honestas, que nunca enganariam a mulher ou o fisco, escapam à Lei de Goodhart: “quando um indicador se torna objetivo, deixa de ser bom indicador de desempenho”.

Professor de Finanças, AESE Business School

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