A Wirecard é a última empresa a entrar para o círculo infame de nomes como a Enron, a Worldcom, a Parmalat, ou a Espírito Santo Internacional, que cometeram fraudes contabilísticas em larga escala.
O maior choque, no caso da Wirecard, é que não era uma empresa americana, nem italiana, nem portuguesa, mas uma empresa alemã. E o estereótipo que temos das empresas alemãs é que colocam o rigor e a ordem acima de tudo e não são propensas a ser gananciosas.
Como é habitual nestes casos, a Wirecard foi um exemplo de sucesso. Orgulho das Fintech alemãs, a Wirecard é uma espécie de Paypal que processa pagamentos digitais. Desde a sua fundação, em 1999, a Wirecard foi imparável em termos de crescimento, passando a ser cotada na Bolsa de Frankfurt em 2005 e tendo comprado uma licença bancária em 2006. As primeiras suspeitas de irregularidades começaram em 2008, mas foram rapidamente abafadas com a contratação da auditora EY. Então, como é típico em empresas fraudulentas, a Wirecard entrou num ritmo frenético de aquisições, comprando, um pouco por toda a Ásia, pequenas empresas de pagamentos desconhecidas. Porquê? Porque as aquisições inviabilizam comparações contabilísticas entre anos, pois há muitos ajustamentos e good will.
No entanto, em 2015, a sorte da Wirecard chegou ao fim. O jornal Financial Times (FT) começou a levantar dúvidas numa série de artigos chamados The House of Wirecard e, mais uma vez, a Wirecard respondeu como se estivesse a seguir um manual de fraude: ameaçaram com processos judiciais, insinuando que o FT estaria a ser pago por especuladores, que, por sua vez, estariam a “shortar” a empresa, ou seja, a vender a descoberto para ganhar com a queda. Surpreendentemente, o mercado acreditou na empresa. Em 2018, a Wirecard alcançou um valor de mercado recorde com uma capitalização bolsista de 28 mil milhões de euros e até substituiu o Commerzbank no DAX30, o principal índice da bolsa alemã. O desempenho da Wirecard quase parecia bom demais para ser verdade … e era.
Em janeiro de 2019, o FT retomou a publicação de artigos sobre manipulação contabilística no escritório da Wirecard, em Singapura, e em vez de investigar as alegações, o regulador alemão, o BaFin, abriu uma investigação ao FT sobre manipulação de mercado e suspendeu a venda a descoberto das ações. Como é que era possível alguém ousar levantar suspeitas sobre a melhor Fintech alemã e europeia?
Finalmente, após uma mudança de auditores, da EY para a KPMG, de vários outros artigos publicados pelo Financial Times e de várias denúncias internas, foi descoberto um buraco de 1,9 mil milhões de euros nas contas. O que isso significava, é que quase 2 mil milhões de proveitos contabilizados nunca haviam sido reais. Finalmente, o CEO, Marcus Braun, considerado até então um gestor brilhante, foi preso, indiciado por fraude e libertado mediante pagamento de uma fiança de 5 milhões de euros. Mas, esta quarta-feira, dia 22, Braun foi novamente preso, a sua fiança revogada e a justiça alemã deteve também o CFO da Wirecard e responsável pela contabilidade da empresa.
Como é que isto aconteceu? A resposta óbvia é a ganância: a combinação entre ambição exagerada e arrogância, que impede alguns CEOs de admitirem que as perspetivas que vendem aos investidores são irrealistas e, com o passar do tempo, a diferença entre realidade e ilusão vai-se tornando cada vez maior.
É por isso que, quando Warren Buffet recruta um novo CEO, a característica número um que procura é a integridade. É claro que a inteligência, a iniciativa e a energia são essenciais, mas se não há integridade, as outras qualidades são contraproducentes. Se não houver integridade, é mesmo preferível que os CEOs sejam burros e preguiçosos.
Mas a integridade pode ser falsificada e a maioria das pessoas pode agir honestamente na maior parte das vezes. A dificuldade é agir com integridade diante de fracassos e resultados abaixo das expectativas, ter humildade para admiti-lo e estar disposto a arriscar perder a face, dinheiro e poder – coisas que normalmente definem um CEO. E o problema é que a ganância, que lhes deu energia para chegar aos píncaros, tolda-lhes o juízo e leva-os a destruir empresas inteiras, as poupanças de muitos investidores e as vidas de muitas pessoas que confiaram neles.
Ao contrário do que muitos de nós aprendemos no filme Wall Street… greed is not good.