Hoje, considerando a facilidade com que se comunica, criou-se uma apetência inaudita para ouvir e ser ouvido. A política faz-se mais nas mensagens do que nos atos. Poder-se-á argumentar que foi sempre assim, a história está cheia de atos simbólicos, mas o tempo de transmissão da mensagem era outro e a distância entre os recetores e a origem era tão grande que, não raramente, a notícia que chegava já só era um rumor, um boato, uma distorção do que tinha mesmo acontecido. Será muito diferente hoje?

Hoje é tudo muito mais rápido e há, certamente, a facilidade de tudo aldrabar com fake news de propagação rápida. As fake news, as mentiras, não são novas, mas a sua distribuição é rapidíssima e numa escala mundial. Logo, fazer que se acredite numa verdade é, paradoxalmente, mais difícil. Por outro lado, tudo o que se diz, mais que não seja para entreter comentadores e encher espaços de notícias, está sujeito a interpretações.

Os políticos, fiquemos por estes, embora possam ter muitos mais canais de comunicação, sujeitam-se a que tudo o que digam possa ser mal percebido, alterado no significado, distorcido, comentado. Quando se fala há um risco significativo de não dizer o que se queria, mesmo escolhendo bem as palavras, sendo que a probabilidade de ser mal compreendido aumenta com o improviso, a impreparação.

E também há a manipulação deliberada de factos, a que se chama propaganda. É mentira, mas sendo propaganda já se pode desculpar? Não me parece. Ora, entre mentirosos, aldrabões, psicopatas, virtuosas afirmações, verdades escondidas, factos reais, comentários infelizes, interpretações erróneas e comentadores maldosos, em que ficamos?

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A Dra. Marta Temido esteve ótima enquanto não teve de falar. Depois, mais que não seja pela necessidade de ir à Assembleia, lá teve de dizer umas coisas. E já houve alturas em que mais valia ter dito que não sabia, ia pensar, não ignorava a importância do assunto mas havia que refletir sobre as melhores soluções, etc. Há politiquez para tudo e todas as ocasiões. É detestável, mas é melhor do que dizer asneiras.

A propósito da PPP de Braga, sem ter a certeza do que poderia acontecer, anunciou o seu fim. Depois, umas breves semanas mais tarde, veio dizer que haveria concurso para uma nova PPP e que a reversão para esfera do Estado seria transitória. Percebeu-se logo que não poderia haver transição sem, pelo menos, reversão para o setor público administrativo (SPA) e que isso teria implicações orçamentais imediatas. Agora, confrontada com as impossibilidades operacionais, já veio dizer, outra vez, que a PPP vai passar a EPE e que não haverá qualquer intenção de ponderar um concurso para nova PPP de gestão. Mais valia não ter dito e desdito. Até porque o mais importante, o que queremos saber, em especial o que os trabalhadores e utentes do Hospital de Braga querem saber, é como vai ficar o financiamento da EPE, a transição das dívidas, as coberturas assistenciais garantidas e os salários dos profissionais. Por exemplo, convirá elencar quem são os trabalhadores que poderão perder incentivos e ter reduções de salário depois de o Hospital passar a EPE. Será prudente acautelar o risco de “debandada” dos médicos e outros profissionais mais qualificados. Pensaram nisso tudo? Quando será que nos apresentam as contas da transição? Não estou nada convencido de que o Hospital de Braga seja o melhor do País, por questões de métrica e por desconfiar de rankings — o que seria fastidioso explicar aqui, mas basta dizer que os rankings medem realidades temporalmente curtas e dificilmente calibráveis pela severidade e demografia das doenças e utentes –, pelo que o argumento na defesa da PPP terá de ser feita em termos de custos acrescidos e de eficiência ganha ou perdida pela transformação da PPP em EPE e não pela suposta excelência do Hospital que não contesto.

A propósito da falta de médicos no SNS, generalizada e inevitável, a nossa ministra nunca deveria ter dito que a exclusividade seria um caminho para prover os hospitais do SNS de mais meios. Se eles não existem, como as vagas não preenchidas dos concursos comprovam, não será por oferecer exclusividade que haverá mais clínicos no SNS. Poderá e deverá pagar mais, se puder, mas não pode esquecer-se de que no regime de 40h, já monitorizado e imposto para novos contratos e para aqueles que optaram por esse regime melhor remunerado, o tempo de dedicação é completo. O que o Ministério da Saúde não deveria ter feito, ainda antes da ministra atual, foi aceitar que as horas de descanso de urgência pudessem ser descontadas e pagas no tempo de trabalho, como se o descanso fizesse parte do horário normal de trabalho. Uma tolice que é ilegal, como a Procuradoria comprovou em parecer enviado ao Ministério da Saúde. O ideal seria, quando o erário público permitir, pagar aos médicos pela tabela da exclusividade, obrigando todos a 40h. É o que já acontece aos médicos das Unidades de Saúde Familiar, a quem se paga exclusividade e não se exige tal regime. Porquê só a eles? Como o Governo da coligação social-comunista virou a página da austeridade, devemos estar em momento financeiramente ideal para corrigir as distorções salariais do SNS, as de todos os profissionais, incluindo esta. Não é? Ou não há dinheiro? Voltando ao princípio, é agora patente que passar os trabalhadores da saúde para o regime de 35h – não me de cansarei de repetir — foi uma asneira que o Presidente da República aceitou e com custos que ninguém quis ver. Agora, já viram tudo?

Pior foi a exclamação inusitada, em entrevista televisiva da nossa governante máxima da Saúde, de que o erro médico é um problema de “enterrar os mortos e cuidar dos vivos”. Também é. Os mortos enterram-se, depois de devidamente percebidas as circunstâncias da morte, e os vivos cuidam-se melhor se tiver havido aprendizagem com os erros eventualmente cometidos, para que não se repitam. A Dra. Marta Temido sabe isto, como administradora hospitalar que é, não tenham dúvidas.  A segurança clínica deve ser uma prioridade de todos os ministros da Saúde e é isso que ela deveria ter dito. Seguramente, terá aprendido com o erro.

Ainda pior, a promessa de que resolveria as cirurgias em falta ou em atraso, as 7 ou 10 mil – não se sabe bem quantas –, da primeira fase da greve dos enfermeiros. A afirmação pode ter sido, até prova em contrário, leviana, porque não nos forneceu os dados nem nos informa da monitorização da resposta. Volto a apelar para que o Governo emita os relatórios do sistema de inscritos para cirurgias (SIGIC) que deixaram de ser visíveis desde 2015. Senhora ministra, se pretende que a levem a sério, seja transparente.

De igual modo, verifico que estava enganado e a Sra. Bastonária dos Enfermeiros resolveu aparecer, em todo o lado, com todo o tipo de afirmações. Fez mal. A exposição de um Bastonário, ao lado dos sindicatos, elimina canais de comunicação e reduz a Ordem a um papel que não é legal nem institucionalmente seu. Claro que o senhor secretário de Estado Adjunto não tinha que vir declarar cortes de relações – a Saúde não é o Benfica vs Sporting -, nem o senhor primeiro ministro deveria ter salgado a ferida com ameaças judiciais. Ameaças vãs, já que a lei proíbe as atividades sindicais da Ordem, mas não prevê penalizações. Há muita coisa que, embora pareça ser dita em tom de voz controlado, é gritaria para quem ouve.

É claro que algum silêncio seria de ouro. Pede-se maior contenção verbal, pública, aos nossos governantes, evitando que digam mais disparates e se coloquem em posições de saída difícil. O mesmo se aplica aos vários dirigentes da Saúde, incluindo as chefias de organizações representativas dos trabalhadores. O Governo e sindicatos terão de se entender e falar, desde logo concordando com manter diálogo civilizado e produtivo, mas com a possibilidade de todos os utentes do SNS puderem acompanhar as reivindicações e a eventual possibilidade ou incapacidade de satisfação das mesmas. Afinal, os enfermeiros pretendem o quê? Ponto por ponto. E o Governo está disposto, em nome de todos nós, a aceitar o quê, quando e de que forma?

No meio de tudo isto, com posições extremadas, sem diálogo à vista e não estando com uma situação fácil na saúde, convirá não perder de vista o que precisa de ser mudado. Não nos podemos distrair com a gritaria. A tática de Costa é procurar sempre um outro qualquer culpado. O mais habitual tem sido o Dr. Passos Coelho e o seu Governo. A atual ministra tem tido o bom senso e inteligência de não se desculpar com os antecessores. Costa é diferente, tem a cultura política dos que vivem das culpas dos outros. Vai assacar responsabilidades a terceiros, com os enfermeiros a porem-se a jeito, e conseguirá desviar o cerne da discussão para os incumprimentos pontuais de serviços mínimos e para a requisição civil que nada resolverá na forma em que foi feita. Sobre o SNS não quer que se f11ale. Nem aceita discuti-lo fora do “conforto” da maioria de esquerda. O problema é a greve de enfermeiros? Sem greve estaria tudo perfeito? É óbvio que NÃO!  O problema do SNS é o Governo que temos, é António Costa e Mário Centeno.

Ex-ministro da Saúde