É já na sexta-feira que vamos saber quem é o vencedor do Prémio Nobel da Paz deste ano. A excitação é muita, até porque, como avança a Sic Notícias, pode haver uma de duas surpresas: um vencedor português ou a não entrega do prémio. Longe de mim criticar a investigação jornalística, mas julgo tratar-se de um equívoco na tradução. Não vai haver uma de duas surpresas, o que vai é haver duas surpresas numa só: o Nobel da Paz não vai ser atribuído, pois quem o vai receber é o português António Guterres. E o prémio que Guterres merece ganhar não é o da Paz, é o da PAS – personalidade anti-semita.
Parece-me que quem acha que Guterres é um bom candidato estará a confundir trabalhar para haver paz com repetir muitas vezes a palavra “paz”. Seria o mesmo que eu ganhar a bota de ouro de melhor marcador por estar sempre a gritar “golo!”
A competição é apertada, mas o nosso ex-Primeiro-Ministro fez o suficiente para o vencer. Até porque o concorrente directo, a UNRWA, é um organismo chefiado por Guterres, na qualidade de Secretário-Geral das Nações Unidas. Trata-se de uma organização que conta nas suas fileiras com vários participantes da excursão que o Hamas realizou a 7 de Outubro. Guterres não tinha bandidagem subalterna desta categoria desde 1995, quando convidou José Sócrates para integrar o seu primeiro Governo.
No campo do anti-semitismo, as suas credenciais são impecáveis. Como se vê, aliás, por ter sido considerado persona no grata por Israel. A notícia foi recebida com algum choque em Portugal, com o Governo, o Presidente da República e o PS a exprimirem a sua indignação. Há aqui algum exagero. Há 500 anos, expulsámos não um, mas todos os judeus do nosso país. Que agora os judeus queiram impedir um português de entrar no seu não é propriamente das retribuições mais duras que já se viu.
Mesmo assim, trata-se de uma proibição apenas simbólica. Se Guterres quiser mesmo visitar Israel, pode fazê-lo. Os israelitas fartam-se de proibir entradas no país e elas acabam sempre por acontecer. Ainda na semana, só mísseis iranianos foram 200.
Aliás, um fogo de artifício a que Guterres reagiu com um “apelo à calma” dirigido quer aos atacantes, quer aos atacados. Fez bem, porque quem está a ser alvejado pelo Irão (directamente e por interpostos exércitos terroristas em Gaza, Líbano e Iémen) pode ficar com a tensão arterial elevada. Daí ser conveniente acalmar, até para prevenir complicações cardiovasculares. É um bom conselho de Guterres. Só não é um grande conselho porque Guterres podia também ter alertado para os malefícios do excesso de sal na alimentação.
A revelação de 6.ª feira será o culminar de uma semana dedicada ao anti-semitismo, depois de ontem ter passado um ano sobre os ataques do Hamas. Que, na altura, Guterres afirmou não terem aparecido no vácuo. Surpreendentemente, talvez tenha sido das declarações mais acertadas que Guterres proferiu desde que é Secretário-Geral da ONU. Mas não pelas razões que julga. Os ataques não apareceram no vácuo, não porque sejam uma resposta à presença israelita no Médio Oriente, mas porque se encadeiam num costume milenar de agressões a judeus. Começa na fuga do Egipto, segue-se o rapto pelos babilónios, o exílio pelos romanos, a perseguição pelos cristãos, as expulsões, segregações e investidas rotineiras pelos europeus, o quase extermínio pelos nazis e os ataques pelos jiadistas. É uma tradição com raízes profundas, transversal a várias culturas. O anti-semitismo é como o chinquilho, qualquer sociedade tem uma versão desse jogo. Para embalar isto tudo no vácuo seria preciso um saco de plástico do tamanho da Lua.
É justo que Guterres seja premiado com o Nobel da PAS. É o representante das Nações Unidas e nada une mais do que o anti-semitismo. O consenso à volta da aversão a judeus é muito parecido com o que existe em Portugal à volta da selecção nacional. Podemos discordar numa série de temas, da política à religião, da gastronomia à moda, mas quando começa o hino e vemos o Ronaldo de mão no peito, sentimos que estamos juntos em prol do mesmo objectivo.
Seja a conquista do Euro2024 ou a erradicação de um povo, o que importa é ter interesses comuns. O anti-semitismo é esse interesse comum. A Supercola 3 que une os povos, o Ocidente e o Oriente, o 1.º Mundo e o Sul Global. O cimento das civilizações. É por isso que, a bem da harmonia planetária, é importante que continuem a existir judeus. Alguns. Mas não muitos. Os suficientes.