A política é a arte de procurar problemas, encontrá-los em todo o lado, diagnosticar incorretamente e aplicar os remédios errados” – Groucho Marx

Nas últimas semanas temos assistido a um exacerbar das posições políticas, onde os principais partidos se têm dedicado a levantar o dedo acusatório aos seus adversários políticos colando-lhes rótulos de “radicalismo”. O PSD acusou o PS de Pedro Nuno Santos de se preparar para recuperar a intentona da Geringonça trazendo de novo os quadros de Marx e os amigos de Trotsky para S. Bento. Já Pedro Nuno Santos, perante a cada vez mais implausível hipótese de o PSD se unir ao Chega, decidiu apontar contra uma possível solução governativa dos laranjas com a IL, argumentando, ao bom estilo da escola primária, com um “Montenegro, radical és tu e os teus amigos liberais, quem diz é quem é”.

Pelo caminho, os eleitores têm todos os motivos para estar deprimidos, já que os políticos, após a inexplicável queda de um governo a quem o Povo deu tudo para governar quatro anos, em vez de tratarem de explicar ao que vêm, se dedicam a trazer para o debate o estilo tortuoso e pífio das discussões das redes sociais. É triste perceber como a era digital capturou – radicalmente – a ação política, e como tantos políticos caem no engodo de falar, não para os cidadãos, mas para os barómetros das redes sociais.

Como escrevi há uns anos nesta coluna de opinião, a forma como foram desenhadas, a capacidade que têm de intermediar em larga escala, atraindo a atenção dos utilizadores e segmentando as mensagens a um custo marginal baixíssimo, tornaram as redes sociais altamente apetecíveis para os agentes políticos. Este apelo, porém, qual canto de sereia, revelou-se profundamente enganador. Convencidos que as redes sociais eram as plataformas do futuro em termos de participação democrática, os políticos deixaram moribundos os restantes canais de mediação e proximidade aos eleitores, tornando-se reféns, hoje, das regras ditadas pelas empresas de Big Tech.

Ora, as redes sociais não foram pensadas para acomodar a diferença, ou promover o diálogo – nas redes sociais convive-se mal com a diferença –, tudo está a ser feito para criar grupos de afinidade que desejavelmente não convivem entre si. O objetivo não é informar ou clarificar, mas sim maximizar a satisfação e o ego dos utilizadores. As redes sociais não existem nem foram pensadas para promover um debate que se reconcilia na confrontação e que desejavelmente deve aceitar bem as diferenças. Tão pouco têm, no seu modelo de negócio, particular interesse em validar conteúdos, pois é na subjetividade – no amaciamento do ego dos seus utilizadores –, e não na objetividade – ou rigor das fontes – que constroem o seu valor. O engano em que os políticos continuam a cair não podia ser mais desastroso: depois de vários anos a invadir as redes sociais e a aí assentar arraiais, o mundo político (algo que inclui partidos, media, e cidadãos mais comprometidos com o fenómeno político) está agora descontente com as consequências que derivam de um output que não verifica fontes, que valoriza a subjetividade, que gere mal os conflitos, que cria grupos de afinidade e tribos alienadas da realidade, movidas apenas por questões de ego, onde não se consegue reconciliar diferenças. A política tornou-se um circo onde os políticos passam o dia a falar para o Twitter (agora “X”) e para o Facebook, e os media se dedicam, ora a capturar, ora a desconstruir, os discursos inflamados, seja convidando para o comentário os que mais agitam as redes (nem que seja pelas piores razões), seja levando a cabo “testes do algodão” onde ensinam aos incautos onde, afinal, pára a verdade.

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Curiosamente, os resultados eleitorais mostram que há uma bolha no mundo político, mas que essa bolha não atingiu, ainda, boa parte do eleitorado. Ainda nas últimas legislativas, no quadro de um leque de escolhas fraco, os eleitores optaram por dar ao Partido Socialista uma maioria absoluta que desbloqueava a governação, dando a António Costa os meios necessários para governar o país em estabilidade, no pós-Covid, não havendo nada que mostre que não irá, agora, em sentido inverso, deixar-se capturar pelo radicalismo.

Só haverá fragmentação nos resultados eleitorais se à Direita não houver capacidade de protagonizar, com clareza, um discurso e uma ação que vão ao encontro das preocupações das pessoas, de um Portugal que votou no PS por medo de todas as restantes alternativas. Por isso, é fundamental fugir da armadilha da polarização excessiva e do extremismo, algo que irá alienar a maioria dos eleitores, que não são dados a excessos e estão mais centrados nas suas preocupações, preocupações essas que não coincidem com as causas das redações, do Facebook e do Twitter (agora “X”).

É hora de a Direita deixar de se preocupar com o Partido Socialista, que, por mais que procure incensar-se pelas mãos da comunicação social e das coteries do croquete e do lambebotismo nacional, necessariamente vai pagar eleitoralmente o facto de ter atirado pela janela a confiança dos portugueses que lhe ofereceram uma maioria absoluta em troca de uma estabilidade que acabou por não existir.

É hora também de a Direita deixar de se preocupar com o Chega, partido que, por escolha própria, se colocou à margem da governabilidade. Depois de anos a protagonizar um discurso de rutura, hostilizando tudo e todos, alimentando-se da tristeza em que se tornou Portugal, André Ventura não pode pedir aos portugueses que olhem para o seu partido como sendo um parceiro confiável para o PSD, a IL, e quiçá o CDS-PP. Cabe-lhe ser partido de protesto e a sua viabilidade depende apenas da (in)capacidade dos restantes partidos apresentarem soluções confiáveis e de estabilidade.

Aos partidos de Direita, de quem se espera que possam organizar soluções de governo, importa recordar que maiorias amplas implicam apoio social de várias franjas do eleitorado. Como não me canso de repetir em vários dos meus textos, as democracias mais saudáveis são as que conseguem dirimir as suas desejáveis diferenças no quadro do pluralismo e da tolerância, sendo a matriz liberal ou socialista muito mais um padrão ou uma tendência, e muito menos uma identidade marcada. Sempre me pareceu pouco saudável que os partidos ditos de “poder” – ou seja, os que têm de resolver os problemas concretos das pessoas, do Estado e das empresas – pratiquem discursos excessivamente dogmáticos e fechados (não obstante ser importante terem referências claras), pois tal significaria que não seriam representativos da sociedade, nas suas diversas aspirações e especificidades. Uma força política, ou um conjunto limitado de forças políticas, para agregar mais de 40% do eleitorado, não devem protagonizar discursos demasiado inflamados, sob risco de se alienarem dos eleitores. “Partidos de poder” demasiado homogéneos e em discurso de barricada são um perigo para o pluralismo e para as democracias que genuinamente respeitam a liberdade.

Os portugueses estão preocupados com o SNS, com a pobreza e a inflação, com a imigração desregrada, com a falta de habitação, com a tributação asfixiante, com a corrupção, com a falta de reformas, com a perda de qualidade dos serviços públicos, com a falta de oportunidades para os jovens. Nada disto precisa de respostas exaltadas ou de culpabilização dos socialistas, que irão pagar pelo seu falhanço.

Mais do que saber se o PS é radical, a maioria dos eleitores, hoje, quer saber se o PSD, a IL ou o CDS-PP são competentes e estão preparados para assumir aquilo que os socialistas não quiseram, ao ponto de desperdiçarem uma maioria absoluta: governar Portugal, para resolver os problemas dos portugueses. Se a Direita souber responder a este desafio, não serão os radicais, à esquerda ou à direita, que impossibilitarão a construção de boas soluções governativas. Senhores políticos, os que querem governar, façam um favor a si próprios, desliguem os telemóveis, apaguem as contas do Facebook e do Twitter (agora “X”), e vão para a rua ouvir as pessoas. Vão ficar surpreendidos quando perceber que, afinal, as pessoas não teclam apenas, ainda são capazes de falar. E verão como isso se irá refletir nas urnas.