1 Dentro de dias iremos ter eleições e saber se, afinal, Portugal será capaz de encontrar nas urnas soluções de estabilidade para enfrentar as dificuldades que se avizinham. À saída de uma pandemia, Portugal enfrenta um conjunto de desafios conjunturais e estruturais para os quais necessitamos resposta urgente por parte da governação: sobre-endividamento, fragilidade do sistema de saúde, ausência de investimento público essencial, crises de fornecimento nas cadeias de distribuição globais, inflação e potencial subida das taxas de juro, perda de atratividade do país para os mais jovens e mais qualificados, envelhecimento. Seja qual for o resultado eleitoral, é fundamental que as forças políticas tenham sentido de compromisso para garantir que, no essencial, Portugal tem capacidade para dar resposta aos problemas, e se organiza de forma consistente.

A campanha eleitoral começou polarizada e acesa, muito ao estilo da fragmentação e cultivo artificial de identidades, característico de um tempo em que o ritmo e o registo do debate é marcado pelas redes sociais. Os partidos infantilizaram a discussão, apresentando as suas “vanguardas”, vendendo ilusões e fazendo da eleição uma luta de bons contra maus, da virtude contra o erro, projetando mundos irreais e sociedades que só existem nas narrativas de campanha. Ao bom estilo do Twitter, debates “express” apenas permitiram aos candidatos exprimir micro-ideias em meia dúzia de carateres, forçando a simplificações que não espelham a realidade. Ora, nem o Twitter é o espelho da realidade, nem a realidade se reduz às simplificações de um tweet, sendo lamentável que partidos à direita se tenham rendido aos caprichos do Zé Albino ou aos bagaços da prima “moderninha”.

Sejam quais forem as ideias de base, o excesso de ilusão e utopia são um veneno para as democracias. O mundo é feito de complexidade e contradição, e não de falsas coerências construídas na simplificação. Precisamos de boas ideias, mas também de pluralismo e entendimento. Depois do dia 30 de Janeiro, dificilmente haverá uma solução de governo óbvia, o que significa que os partidos terão de colocar luz sobre os problemas, percebendo que a democracia não se faz só de soluções de cartilha ideológica, mas da busca de compromisso. Como ainda recentemente assistimos na Alemanha, as melhores democracias não são as que impõem a toda a população ideologias em estado puro, mas as que escolhem representantes para encontrar soluções para os problemas. A democracia é muito mais uma fórmula de escrutínio popular sobre o exercício do Poder, e de escolha dos representantes do povo para procura de soluções para problemas, do que a promoção de vanguardas. Ora, foi com este espírito – de escolha dos meus representantes – que votei em consciência (embora sem o benefício do dia de reflexão), no passado domingo. Estando ausente do país no próximo fim-de-semana, aproveitei o voto antecipado para cumprir o meu dever cívico.

Não obstante as reservas que tenho à existência de um partido liberal e as lacunas que este apresenta, votei IL por ser a força política que, nesta eleição, gostaria de ver mais representada, a mostrar o que vale. A forma como, por exemplo, o Carlos Guimarães Pinto colocou na agenda pública um tema que nos é caro a ambos – o sorvedouro que é a TAP – fez um caminho de tal modo virtuoso que, por esta altura, a maioria dos portugueses (e o líder do PSD) já são a favor da sua privatização ou fecho. Espero, por isso, que a IL, sem utopias e com humildade e realismo, apresente na Assembleia da República e, se for o caso, na governação, propostas que desalinhem do atual consenso existente em Portugal à volta do socialismo e da social-democracia, como ponto de partida para a procura de soluções para os problemas. O traço mais relevante do liberalismo, no plano da ação, é que ele se constrói em cooperação e compromisso, e não na dialética, na imposição e no conflito: os países mais liberais não o são em estado puro (não há experiências de liberalismo integral em nenhum lugar do planeta), sendo antes o resultado de um diálogo e um trabalho de construção feito no pluralismo e no reconhecimento da complexidade e das diferenças. Não aspiro a viver num país liberal, mas num país mais liberal, onde haja espaço de realização para todos, e menos pobreza e dependência.

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2 Ao longo dos últimos anos, naquilo que são as minhas diversas limitações, tenho procurado divulgar e encontrar soluções para os problemas à luz das ideias liberais. A minha preocupação nunca foi impor uma determinada ortodoxia ou promover revoluções ou ruturas, mas sim perceber como é que boas ideias, pensadas por vários autores ao longos dos séculos nos mais distintos contextos, poderiam, em diálogo e compromisso, abrir espaço para boas políticas públicas. Fi-lo na blogosfera, nas redes sociais, na imprensa escrita, em seminários, conferências, na academia e na participação independente em grupos de trabalho de vários partidos políticos, sempre sem filiação partidária e na consciência de que precisamos em Portugal de mais sociedade civil com posições políticas independentes, e menos pensamento partidário de cartilha. Fui nisso acompanhado por dezenas de liberais que, de forma mais ou menos descomprometida, acreditavam na força das nossas ideias.

Assisto, por isso, com satisfação, à forma intelectualmente desorientada e indigente (usando a expressão utilizada pelo senhor “Assistant Professor” da Universidade de Nottingham, Rúben Leitão Serém), como hoje os que olham para a política numa lógica dialética e sempre marcados pelo conflito, encontram no liberalismo o novo diabo à solta, sinal que se conseguiu colocar outras ideias na agenda. Para algumas almas penadas, há por aí um liberalismo (versão “neo”) o qual, usando as palavras de Rúben Leitão Serém, tem como “propósito (…) não só (…) perpetuar, mas também (…) ampliar, o domínio de uma classe através da eliminação de todos os direitos e proteções sociais”. Talvez influenciado pelos ares das East Midlands, ou pela vontade de exibir méritos em momento eleitoral, Rúben Leitão Serém confunde o papel de Robin Hood com o de um subserviente serviçal do Xerife de Nottingham, dissertando sobre os perigos do tal “neoliberalismo”, corrente imaginária que nenhum autor liberal criou ou defende, mas que serve para autojustificar méritos inexistentes de um tipo de socialismo que está mundialmente falido.

A indigência a que me refiro é bem visível na incompreensão que tem sobre o sentido da palavra “liberdade”, elemento fundacional e comum a todas as correntes liberais, e cujas raízes remontam à Antiguidade Clássica. A liberdade, assim pensada, entre outros, por autores como Sócrates, Platão, Hobbes, Espinosa, Locke, Tocqueville, Kant, Montesquieu, Adam Smith ou Stuart Mill, é prévia à conceção que lhe veio a ser dada pelas correntes marxistas e socialistas, não se vislumbrando como poderá uma abordagem liberal da liberdade ser vista como um “conceito novo”. Mesmo durante o século XX, autores relevantes como Isaiah Berlin, Hayek, Rawls, Nozick ou Dworkin, pensaram a liberdade sob distintas aceções, mas sempre segundo um contexto intelectual que parte da pessoa como elemento prévio ao Estado, não diluindo as suas aspirações e realização exclusivamente nos ditames de uma vaga ideia de “bem comum”. Pelo que não se vê onde possa existir “unanimidade” sobre o significado da palavra liberdade, nem se percebe como se poderá creditar a uma certa visão, de base marxista ou socialista, a prerrogativa semântica da “definição clássica”. É também notória (embora aqui mais compreensível) a dificuldade que Rúben Leitão Serém tem em apreender o sentido virtuoso associado a um egoísmo que coloca o interesse individual no elemento catalisador da realização pessoal, e a forma como tal permite reforçar a autonomia e reduzir as dependências, preso que está a uma lógica (falsamente) altruísta que esvazia a pessoa nos seus interesses para a subjugar no “Bem Comum”, definido para lá de si, sabe-se lá por quem.

Por fim, a ignorância sobre o que é o liberalismo fica patente na crítica feita ao programa eleitoral da IL o qual, concordo, é um “paradigma de documento burocrático (…) repleto de informação duplicada, com uma mescla de propostas vagas com outras absurdamente detalhadas e saturado de lugares-comuns e muitos anglicismos”. Que na sua crítica, Rúben Leitão Serém não tenha sido capaz de identificar a iliberalidade de inúmeras propostas do programa da IL, e a gritante falta de escrutínio existente num programa seguramente preparado numa lógica de contribuições aleatórias do proletariado sem tutela e crivo de uma mão visível, explorando melhor o calcanhar de Aquiles (seguramente, também ele um perigoso neo-liberal) do partido nesta campanha, mostra bem como não falta quem goste de se promover a criticar o liberalismo, apenas pela mera demonização, sem o estudar ou tentar compreender.

Não obstante as críticas, espero que os vaticínios de Rúben Leitão Serém se concretizem, e que “as eleições de 2022 represent[e]m um marco histórico para o neoliberalismo português”. Da minha parte, com IL, sem ela, com mais ou menos votos, por aqui andarei, satisfeito por ver que, sobretudo nos mais jovens, as ideias liberais são hoje cada dia mais apreciadas, e fonte de esperança num futuro mais promissor.