Quando em 2013 um movimento independente ganhou a Câmara do Porto, sabia-se que havia guerras que o Porto e o Norte podiam ou não ganhar. Mas valeria a pena travá-las? Primeiro foram os fundos comunitários e a forma inclinada como o QCA 2020 estava, em 2014, a ser negociado com Bruxelas. Depois foi a TAP e a forma como estava a ser renacionalizada e, simultaneamente, confinada a Lisboa. A seguir foram as relocalizações da EMA e, depois o INFARMED. Finalmente, a questão do enviesado processo de descentralização, imposto aos municípios.
Em todos eles participei na estratégia de comunicação que o Porto lançou contra, no fundo, o centralismo que todos estes assuntos versavam. Sabíamos que o que mais tínhamos de certo em todas estas “guerras”, era não ganharmos, como aliás está escrito e previsto num livro sobre a TAP de que fui coautor. Mas isso não foi impeditivo de que fossem travadas e produzissem os seus efeitos duradouros.
Apesar de termos perdido as guerras, ganhámos batalhas em todas elas. Somadas, provocaram efeitos de médio e longo prazo capazes de mudar mais o país político do que, propriamente, se a sede do INFARMED se tivesse mudado para o Porto. Porque mudaram o mind setting dos cidadãos de uma região, relativamente ao país político.
E esse é o lado mais nobre da política. É aquele que, sem resultados espetaculares que visem influenciar resultados eleitorais, mudam, de facto, a forma como os cidadãos, de uma região ou de um país, olham para o presente e para o futuro, fazendo-os pensar e agir, independentemente de quem está no comando. É uma forma de liderar que implica altruísmo e homens e mulheres dispostos e dispostas a não se colocarem acima daqueles que representam e dos seus sonhos.
Portugal e o Mundo estão cheios de calculistas que se centram no seu próprio poder e na forma como o podem exercer e eternizar. E, por isso, a estratégia política ocidental dominante impõe uma regra: nunca travar guerras perdidas. Mas é precisamente esse princípio calculista, que o Ocidente cultiva desde a II Guerra Mundial, e que os políticos portugueses aplicam com grande competência desde o 25 de Abril de 1974, que faz definhar o seu poder e a sua capacidade para mudar a vida dos seus concidadãos, por acaso, eleitores.
É por isso bom que todos possam aprender com Zelinsky que, no fundo, nos mostra que o mundo não é a preto e branco, não é uma pauta de soundbites, mentiras e calculismos, que podem até conduzir a uma aparente vitória, mas que muitas vezes nada acrescentam ao povo. Mas, pelo contrário, que há derrotas certas que vale a pena travar, porque a resistência, a verticalidade e o discurso valem, muitas vezes, mais do que triunfos bélicos ou formais. E se essas guerras forem travadas em nome de sonhos coletivos, então, ainda vale mais a pena travá-las, porque independentemente do resultado final, é o sonho que faz o mundo pular e avançar, como ensinou Gedeão. Ou Churchill, que, ganhando a guerra, perdeu as eleições.
É claro que tudo isto está mal comparado. A guerra na Ucrânia é verdadeira e não metafórica, como as que referi no início desta crónica. Mas Zelinsky não deixa de nos dar lições que podemos aplicar na nossa pequena ou grande política e que devíamos considerar como exemplos.
Ao contrário do que se passou no Afeganistão ou na Bielorrússia, o líder ucraniano decidiu combater. Foi à guerra que todos e o próprio julgavam militarmente perdida e foi pondo, diariamente, estrategicamente, o dedo no nariz da comunidade internacional, dizendo o que podem fazer, como podem fazer e mostrando que há outro caminho. Independentemente do destino da derrota militar estar traçado. E isso mudou o mundo. O sonho de Zelinsky fez o mundo pular e avançar.
Porque, ao contrário de Putin e dos políticos populistas que hoje grassam pelo mundo fora, ele fala em nome do seu povo e não fala de si. Ele não foge, rasgando as vestes. Ele não chora e não reage ao insulto de Putin. Combate cada batalha, pondo o dedo no nariz a todos os que hipocritamente queriam a sua capitulação rápida como aconteceu na Bielorrússia, para que a hipocrisia ocidental não se chegasse a notar. Mesmo sabendo a guerra perdida. E mesmo quando a ameaça é nuclear, mesmo que possivelmente perca, continua a decidir lutar. É a atitude, o discurso, a inteligência emocional, a serenidade, é conseguir falar em nome de todos que faz das suas declarações triunfantes um avanço.
Independentemente de, amanhã, um louco em Moscovo carregar no botão nuclear e riscar do mapa Kiev, como Hitler riscou Varsóvia, acabando com a história militar desta campanha, a Ucrânia já ganhou. Podendo até perder a guerra, a Ucrânia já ganhou um futuro.
Zelinsky está, no fundo, a mostrar que há guerras perdidas que vale a pena travar. Porque as derrotas, se honradas, se travadas com verdade e humildade em nome de ideais e não do próprio umbigo ou protagonismo, podem ser, afinal, grandes triunfos para a humanidade e exemplos para os nossos filhos, porque é quando o mundo pula e avança. Portugal, que tão bem se tem portado neste assunto ucraniano, deveria aprender um pouco com a história que se vai escrevendo na Europa a partir do carácter de Zelinsky e voltar a olhar para si próprio, para os seus desafios, como sonhos. Sonhos que, mesmo parecendo impossíveis de cumprir, vale a pena tentar cumprir, para voltarmos a ser grandes e não apenas a consequência de calculismos eleitorais e estratégias datadas de poder pessoal.