1 de Fevereiro de 2023. Mariana Mortágua: “Há proprietários que dizem que se descerem um bocado as rendas empobrecem, mas têm dinheiro para manter as casas fechadas? Se um proprietário pode manter casas fechadas só para manter uma guerrilha, é porque não precisa do dinheiro das rendas. Esse argumento é puramente teórico e não pode ser levado a sério. Serve apenas para fazer guerrilha política.

Julho de 2021. Numa das noites do fim-de-semana de 17 e 18, a PSP foi chamada ao nº 694 da Rua de S. Bento, em Lisboa. Era meia noite e os vizinhos queixavam-se de ruído. Na verdade os agentes nem devem ter andado muito: a esquadra do Rato é logo ali. O pior é que tiveram de voltar a fazer o percurso algumas horas depois porque o ruído voltara: no nº 694 havia uma festa e os convivas estavam animados.

O caso não teria relevo de maior não se desse o caso do nº 694 da Rua de S. Bento estar instalado o Bloco de Esquerda e, para aquilo que para esta crónica conta, o senhorio ser, nada mais, nada menos que a Câmara Municipal de Lisboa.

Na época, o facto de o BE ter violado duas vezes a lei do ruído na mesma noite gerou algumas notícias. Mas rapidamente o caso foi esquecido, embora não deixe de ser interessante saber em que estado está o pagamento da multa prevista para casos como estes e que ascende no caso de pessoas colectivas, a 18 mil euros. (Certamente que o BE defensor das multas avultadas não deixará de ter aplicado a si mesmo a doutrina que aplica aos demais!)

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Mas o mistério do nº 694 da Rua de São Bento não é o carácter festivo dos seus inquilinos mas sim esta incontornável questão: o que faz o BE num edifício municipal de características residenciais para mais numa zona de Lisoa considerada de pressão urbanística? (Se não for muito perguntar, quanto paga o BE de renda à CML, ou vai deixar este edifício para que ali more gente?)

Recordo que o BE tem espaços próprios em Lisboa. Possui uma sede na Rua da Palma. Um palacete que a Liga Comunista Internacionalista ocupou em 1975, que depois o Partido Socialista Revolucionário conseguiu transformar de propriedade ocupada em propriedade arrendada e que, prosseguido na linha do talento dos comunistas para os investimentos imobiliários, o BE depois adquiriu recorrendo a um empréstimo bancário. Ora no referido palacete certamente que há espaço para a distrital de Lisboa funcionar. Mas se o BE considera que não é curial a distrital e a sede funcionarem no mesmo edifício, pode muito bem o BE transferir a sua distrital do prédio municipal de habitação para algumas das muitas lojas devolutas que a CML possui nos diversos bairros municipais, pois como não aparecem comerciantes para as ocupar e as ONG também não as querem, elas para aí estão sem outro préstimo que não seja a criação de ratos e baratas.

Voltemos portanto ao prédio municipal sito no nº 694 de Rua de São Bento, prédio de habitação mas onde está instalado um partido político.  Ou então ao aluguer à ministra da Agricultura por um preço abaixo do custo de mercado de um apartamento da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, instituição que, note-se, é tutelada pelo Governo. Ou ao facto de Mariana Mortágua ter declarado que reside em Lisboa “em casa de uma amiga de infância”. Não sei se essa situação ainda se mantém mas a senhora deputada era uma pessoa duplamente bafejada pela sorte pois não só tinha uma amiga de infância assaz benévola como para maior sorte o andar que essa amiga lhe disponibilizava ficava em Campolide.

… Podia continuar a dar exemplos das circunstâncias de alojamento daqueles que todos os dias procuram acrescentar mais Estado a um problema a que, desde 1910, em Portugal, muito tem sido acrescentado por esse mesmo Estado. Para dia 16 de Fevereiro está prometido um conselho de ministros em que, segundo o Governo, será aprovada nova legislação com medidas para incentivar a construção e apoiar o arrendamento jovem. E o BE já está a marcar o terreno com entrevistas como esta.

A habitação pública está a fazer o percurso de degradação, má gestão e delapidação do dinheiro dos contribuintes que já foi trilhado pelo SNS e pela escola pública: aqueles que todos os dias surgem como seus paladinos e que reiteram a necessidade de perseguir, controlar, obrigar ou afastar os privados são os privilegiados do sistema. Privilegiados porque não têm de aceder a ele (onde se tratam e morrem os maiores defensores do SNS estatista em Portugal?) ou acedem em circunstâncias que causam distorções grotescas como sucede com os arrendamentos da Santa Casa em Lisboa, cuja vocação, pensariam os mais desatentos, não será arrendar casas a quem tem salários acima dos quatro mil euros, como é o caso da senhora ministra Agricultura. (Será só a mim que causa confusão que a Santa Casa da Misericórdia da Lisboa não perceba que não pode refugiar-se na protecção dos dados para não responder sobre o perfil dos seus inquilinos?)

A demagogia em torno da habitação está em crescendo. Estamos na fase em que tudo aquilo que é criminalizado quando dito por outros, se torna virtude se proferido pelos paladinos do direito à habitação: “BE quer proibir venda de casas a cidadãos com residência permanente no estrangeiro.”; ou “O presidente da Câmara de Oeiras, Isaltino Morais, Morais, desafiou o Governo, durante uma cerimónia no concelho, a rever a lei dos solos, defendendo a desafetação de terrenos da reserva agrícola nacional “exclusivamente” para construir habitação pública”.

A 17 de Setembro de 2016, Mariana Mortágua “desafiou o PS” “a refletir até que ponto está disposto a chegar para se assumir como uma “alternativa global ao sistema capitalista”. Na sequência desse repto Mariana Mortágua declarou: Temos de perder a vergonha de ir buscar a quem está a acumular dinheiro”

Em 2023, a vergonha está perdida e a alternativa ao sistema capitalista continua a ser uma interessante área de negócio. Sobretudo para os anti-capitalistas, como bem se vê pela relação do BE com o património imobiliário. Em 2023, aquilo por que se vai sem vergonha alguma é o papel dos privados na habitação e sobretudo o desígnio de fazer de cada um de nós mais um dependente de um Estado que tudo quer controlar e em que o poder é exercido por quem define quem tem direito à renda acessível, ao programa qualquer coisa… Depois da paixão pela Educação e da luta pela paternidade do SNS, o PS jura fidelidade à sua nova paixão: a habitação. Aos mais distraídos recomendo a leitura d’O Noivado Do Sepulcro.