Apesar de já ser terça-feira, encontro-me ainda abrangido pela janela temporal que obriga os textos sobre resultados eleitorais a conformarem-se à listagem de vencedores e vencidos. É uma pena, já que tinha alinhavado um texto muito engraçado sobre a guerra que se avizinha entre a Rússia e a Ucrânia e os efeitos que terá na política energética europeia. Tem de ficar para a próxima. O pior é que, como ontem já tudo foi dito sobre vencedores e vencidos, fiquei com o refugo. Vamos então a isto.
Vencedores
Funcionários da reprografia da AR. Porque não vão ter de fazer noitada para imprimir e encadernar os 230 exemplares de um novo Orçamento de Estado, uma vez que os deputados vão poder usar as cópias antigas. António Costa bem o mostrou no debate com Rui Rio, como um professor que lembra os alunos que precisam de trazer o manual na próxima aula de revisões.
Eu próprio. De quatro em quatro anos (um bocadinho menos quando o Governo cai), há uma altura em que, para todos os efeitos, sou fascista. Aos olhos de quem é de esquerda, durante os 15 dias da campanha eleitoral os 40% de portugueses que votam à direita são membros de uma quadrilha de saudosistas do Estado Novo. À beira das eleições, sacode-se o pó aos bardos, tresandando a naftalina, projectam tonitruantes “não passarão!” enquanto avisam o país que os reaccionários querem passar. Designadamente, passar o Portugal de 22 para a Alemanha de 33.
Mesmo amigos meus, gente que me recebe em suas casas, me deixa pegar nos filhos ao colo e conversar com as suas mulheres sem supervisão, gente que confia em mim o suficiente para virar costas quando tenho talheres ao meu alcance, mesmo esses, durante duas semanas suspeitam que, se não pertenço à família da esquerda, então pertenço às SS.
Nesses dias, as minhas ideias sobre a organização económica e social do país são olhadas por eles com a repugnância que merece uma cópia do Mein Kampf cheia de cocó. “Queres menos taxas? Isso foi o que disseram enquanto bombardeavam Guernica!” Ou: “O Estado fora disto? Como queria o Mussolini, não era?”
Terminada a campanha eleitoral, volto a ser um tipo porreiro, digno de conviver com as pessoas de bem. É um enxovalho ritual que se suporta de vez em quando durante duas semanas, mas que, desconfio, se deve tornar aborrecido ao fim de quatro anos. Além de que, ao fim de algum tempo, as pessoas deixam de acreditar em alguém que passa os dias a ter de justificar que não é nazi. Por isso, ainda bem para mim que António Costa ganhou.
Pedro Passos Coelho. Quando chegarmos a 2026, 11 anos depois de terminado o seu governo, o seu nome deixará enfim de ser invocado para justificar o que de mau se passar em Portugal. Em princípio.
Sociedade Ponto Verde. Os portugueses não ligam muito à empresa que gere o tratamento dos vários tipos de embalagens que vão parar ao lixo. Pode ser que isso mude, agora que tem uma empreitada destas pela frente. O país vai estar atento à forma como vão desmantelar e reciclar o vasilhame inútil em que se tornou o CDS.
Vencidos
O sr. que inventou este formato de análise pós-eleitoral à base da listagem de vencedores e vencidos. Mais uma vez, vê a sua criação ser usada por todos e não recebe um tostão de direitos de autor.
José Sócrates. De repente, e quando nada o faria prever, deixou de ser o único primeiro-ministro do PS a ter conquistado uma maioria absoluta. Resta-lhe o consolo de continuar a ser o único primeiro-ministro do PS burlão.
Trabalhadores que fazem manutenção de auto-estradas. Tendo em conta que, enquanto membros de um governo minoritário, os ministros do PS já se borrifavam nos limites de velocidade, não quero pensar o que farão num governo com maioria absoluta. Nesta nova legislatura, Eduardo Cabrita nunca teria deixado de ser ministro. Provavelmente, ainda recebia mas é uma indeminização da viúva e dos órfãos, pela maçada. Se eu trabalhasse na cercania de vias rápidas, fazia já um seguro de vida.