Na China do início dos anos 70 do século passado, em plena revolução cultural, Mao Zedong às tantas foi obrigado a entregar o governo e a organização do país a Zhou Enlai, que tinha como braço direito Deng Xiaoping. Depois de várias rondas de alucinados extremistas encarregues da governação da China, daqueles que consideravam que os bons comunistas se ocupavam somente em dar pancada nos alegados maus comunistas e participar em manifestações e humilhações públicas de supostos traidores, o resultado evidentemente foram períodos de guerra civil e o estado em choque e empancado.
Então Mao chamou a dupla de moderados e pragmáticos. A famosa frase de Deng – ‘não interessa se o gato é branco ou preto, desde que apanhe ratos’ – é o paradigma do pragmatismo e inteligência políticos. A ideia era colocarem os serviços públicos novamente funcionais. Sei lá, médicos a fazerem operações nos hospitais (antes não faziam; e se corresse mal e fossem acusados de contrarrevolucionários?), por novamente alguns burocratas a recolher os impostos (ok, aqui a população não rejubilou), transportes públicos outra vez a operarem e a transportarem pessoas.
Ora o grupo de radicais da mulher de Mao Zedong, Jiang Qing, ficou enxofrado com tanta procura de eficiência, que viam como com tendências capitalistas e pouco consentânea com o verdadeiro espírito do comunismo. Famosamente Jiang Qing afirmou que mais valia ter comboios atrasados socialistas do que comboios capitalistas a respeitarem o horário.
Jiang Qing era uma boa socialista: sabia que na escolha entre a ideologia socialista que transtorna a vida das populações e os serviços públicos funcionais que servem as populações com lógicas de eficiência capitalista, a escolha devia sempre ir para o transtorno à vida das pessoas.
Agora a boa notícia que tenho para vos dar: meus amigos, somos governados pela Jiang Qing.
É o que podemos concluir da recente exibição de Marta Temido, a ministra da saúde, e da sua vontade de terminar a PPP com a José de Mello Saúde no Hospital de Braga. O privado gostaria de continuar no Hospital de Braga (ah, sim, a ministra mentiu quando se desculpou com a indisponibilidade da José de Mello Saúde para continuar a gerir o hospital), desde 2016 tem suportado os custos dos tratamentos dos doentes com VIH, hepatite C e esclerose múltipla – depois de um bonzinho governo socialista ter unilateralmente transferido este custo (que evidentemente deve ficar a cargo do estado) para o privado, dentro do velho hábito português dos governos exigirem aos privados que façam de assistência social quando os governos querem poupar dinheiro – e, como foi amplamente referido nas notícias, é considerado o melhor hospital português.
Mas nada disto importa para o PS, que aproveita estas ocasiões para fazer prova de radicalismo de esquerda. Não interessa nada que o hospital de Braga passe a ser pior gerido, que incorra em maiores custos, que preste menos e menos bom serviço à população. Isso, caríssimos, são pormenores. O que interessa é que o hospital passe para as garras públicas e deixe de se reger por critérios de eficiência.
Ora, com o hospital público haverá mais funcionários públicos que o governo PS poderá seduzir com aumentos salariais, pontes, 35 horas semanais de trabalho. Isso tudo significa mais votos. Acresce: mais um hospital são mais uns boys e umas girls que se podem nomear. Isto sim, conta. Os serviços médicos à população, como se sabe, são apenas desculpas para a constituição de clientelas eleitorais e distribuição de prebendas.
Na verdade, estou convencida que estas contas comezinhas são mais preponderantes que o princípio ideológico de ter tudo a girar à volta do estado, de não conseguir ver vida além do público, do desdém e desgosto por tudo o que é privado e, portanto, um bocadinho mais livre e menos controlado.
Mas as motivações não importam, no fundo. Os resultados é que devem ser avaliados. E este governo não foge a destruir algo que é bom, funciona bem e contenta as populações se isso significar atacar o privado e subjugar o mais possível ao público. Já havia sucedido o mesmo aquando do fim dos contratos de associação.
A geringonça desorganizou a vida de incontáveis famílias, dividiu amigos e redes sociais já estabelecidas pelos estudantes (e quão importantes estas são na adolescência), tirou emprego a professores e auxiliares e administrativos, mandou miúdos para escolas mais longe e com piores condições e menos bem equipadas. Fez tudo isto não para reduzir custos, mas porque a teimosia ideológica de limitar o privado e maximalizar o público foi mais importante que os alunos e o ensino que lhes forneciam. Sabendo-se como uma boa educação é um fator propiciador de mobilidade social, não houve qualquer hesitação governativa em prejudicar as perspetivas de vida dos alunos obrigados à mudança.
Este sectarismo ideológico, que vende o bom serviço às populações em prol do purismo dos princípios de esquerda, é do pior que tem a geringonça. A oposição de direita (bom, a que existe, que Rui Rio parece convencido que quem governa o país e precisa de contestação é o Ministério Público) faria bem em concentrar-se nestas birras governamentais em vez de maçar os eleitores com questões económicas apesar de tudo benignas.