Há meio século que John Lennon ofereceu ao mundo uma canção extraordinária, que atingiu recordes de vendas e que foi uma das canções, ou talvez a canção, que mais vezes se ouviu nas rádios. Quantas vezes a ouvi? Não sei, mas sei que foram muitas, que rapidamente decorei a letra e que quase sempre me emocionava quando a cantava. Era um adolescente que, como a maioria dos adolescentes, acreditava na capacidade de mudar o mundo, com ideais bonitos, repletos de irmandade e cheios de flores. Uns anos depois, decidi ser professor.
Quando se quer dar um pequenino contributo para a mudança, é tão evidente quanto inevitável abraçarmos a ideia de que «o sonho comanda a vida, e que sempre que o homem sonha, o mundo pula e avança, como bola colorida entre as mãos de uma criança». Contudo, é também tão evidente quanto necessário compreendermos que os sonhos habitam num universo diferente da realidade. Os sonhos podem estimular mudanças reais, podem ajudar a orientar percursos, podem funcionar como uma lupa aumentando a nitidez de objetivos, mas só têm um efeito incrivelmente mágico, atrativo e poderoso porque, à medida que nos vamos sentindo mais próximos, que vamos concretizando pequenos passos de aproximação, se mostram cada vez mais árduos, mais difíceis, como um limite à Cauchy, e conseguimos perceber que os sonhos, aqueles que verdadeiramente merecem essa designação, se mantêm inalcançáveis.
Imagine uma escola onde as crianças vão para aprender. Não aprendem tudo, não atingem a suprema sabedoria, mas a cada aula que assistem, a cada dia que passa, acrescentam aprendizagem e, por pequeno que seja o avanço, vão ficando mais próximos do sonho de compreender o mundo e a vida. Imagine, igualmente, uma escola com espaço curricular para o teatro, para a música e outras artes.
Imagine um país com vontade de organizar e potenciar a transmissão de conhecimentos, dos mais práticos aos mais teóricos, dos mais simples aos mais complexos, dos que requerem muito treino aos que se revelam de assimilação mais imediata, tal como as famílias que quase instintivamente cuidam da transmissão de conhecimentos, de habilidades e de costumes entre gerações e promovem a sociabilização através de múltiplas interações sociais.
Imagine um sistema de ensino que se estrutura com objetivos bem definidos, com metas claras e atingíveis, com definição curricular dos conteúdos de modo a encadeá-los logicamente, para facilitar a aquisição dos conhecimentos, que os adequa à idade dos aprendizes, que vai dos raciocínios mais acessíveis aos mais intrincados e que não salta patamares imprescindíveis. Imagine um ministério da educação focado na promoção social dos mais capazes, preocupado com a avaliação das aprendizagens, com a avaliação dos processos e dos resultados e que ambiciona distinguir os talentos.
Imagine uma sociedade que escolhe os melhores para liderar, que não promove o engodo de que somos todos muito bons, que estamos todos entre os melhores dos melhores. Imagine que essa sociedade defende uma escola que não coloca em pedestal o embuste de que todos os alunos aprendem naturalmente, sem exigências, com distração, sem disciplina, com alegria, sem esforço.
Imagine que não há governantes a orientar a escola para ensinar às crianças que é exatamente igual casarem com um menino ou com uma menina, sobretudo em idades em que as brincadeiras são consideravelmente diferenciadas, em que as meninas gostam muito mais de brincar com meninas e o fazem com toda a naturalidade, e o mesmo acontece com os meninos.
Imagine uma escola onde se aprendem factos históricos, tentando conhecer e compreender o ambiente envolvente, as circunstâncias do passado e que se inibe de fomentar descendentes a criminalizarem os seus antepassados, sem alcançarem que viveram noutra época, com outros valores. Imagine também uma escola onde a autoridade dos professores não é colocada em plano de igualdade com a dos alunos.
Imagine que somos suficientemente responsáveis para arcar com a nossa liberdade.
Gosto de imaginar que não existem interesses ocultos e muito poderosos, que não existem líderes políticos que pretendem hipnotizar, com aparentes facilidades, os mais jovens, os mais vulneráveis, os menos apoiados por uma estrutura familiar coerente e forte, e quantos mais melhor, para melhor os distrair e melhor reinar.
Também me esforço por imaginar que os gigantes económicos e tecnológicos a que aderimos, supostamente de livre vontade, e que têm acesso às listas individuais de contactos, às fotografias e vídeos dos utilizadores, à gestão extraordinária e completa dos e-mails, das mensagens e das localizações de cada um, o fazem sem qualquer má intenção, sem qualquer intrusão desnecessária, sem qualquer controlo impróprio.
Imagine que há uns seres humanos com muito mais poder do que outros. Imagine que os que têm mais poder desejam manter esse poder ou, de preferência, aumentá-lo. Imagine que os mais poderosos sabem que a distração e a ignorância dos outros facilitam a manutenção do poder. Imagine que esses líderes estão sujeitos a eleições, de uns tantos em tantos anos, e que sabem que se se mostrarem muito amigos (“amigos da onça”) podem renovar com maior facilidade o poder que lhes é concedido pelos seus concidadãos.
Imagine um país que forma os seus professores para se focarem nos melhores processos de ensino, para melhor transmitirem súmulas de conhecimentos adquiridos durante milénios, contribuindo para desenvolver a sabedoria dos jovens sobre o mundo e sobre o homem. E que os jovens formados nesse “cadinho” organizado são mais desenvoltos a desmascarar os “amigos da onça”.
Imagine uma escola que ensina aos seus alunos os princípios de raciocínio lógico, entre os quais o «princípio da não contradição», para que estes sejam capazes de identificar proposições falsas sempre que alguém defende uma coisa e o seu contrário, como recentemente aconteceu demasiadas vezes com muitos líderes da nação relativamente à pandemia.
Imagine que o futebol é um dos desportos com mais adeptos em todo o mundo. Imagine que um treinador de futebol não avalia as capacidades dos seus jogadores. Imagine que há jogadores que se esforçam imenso nos treinos e outros que falham muitas sessões de treino, embora o treinador os elogie igualmente, dizendo que são todos muito bons, entre os melhores. Imagine que há jogadores com um enorme talento e outros completamente “arvelas” com a bola, mas que o treinador não diferencia uns dos outros, não seleciona, não distingue quem joga e quem fica no banco. Imagine que este treinador e esta equipa conseguem vencer os jogos que disputam e são campeões nacionais, ou campeões da Europa ou do Mundo.
Na imaginação, tudo é possível. Na imaginação, não há limitações. Na imaginação, sabia-o bem John Lennon, podemos sonhar outro mundo. Imaginando, podemos ver as nuvens a gotejar e nós a abrirmos espaço no nosso jardim para as gotas entrarem, como num poema de Yoko Ono.
Imagine que há turmas inteiras em que os respetivos alunos são deixados em frente a um ecrã em todas as aulas. Imagine que há pais que deixam os seus filhos entretidos durante a maior parte do dia em frente a um ecrã.
Imagine que há pais que estabelecem horas para que a família esteja reunida à hora das refeições e que fazem com que os filhos, desde cedo, participem nas atividades domésticas.
Imagine que há pais que não impõem quaisquer regras aos filhos, que lhes atam sempre os atacadores ou que lhes compram todo o calçado sem atacadores, que não os obrigam a fazer a cama, que não lhes ensinam a fazer comida, que os penteiam e lhes organizam a roupa para vestir no dia seguinte. Imagine que há pais que fazem tudo isto porque acham que os amam extremamente. Imagine que todos os dias estes pais sentem necessidade de expressar verbalmente o seu amor incondicional e de lhes dizer que eles são os filhos mais fantásticos do mundo.
Imagine que também existem pais que têm horror em deixar os filhos levantar voo e que pretendem ter controlo total sobre os seus filhos. Que farão estes pais?
Imagine que há governantes que têm horror em perder o poder e que gostariam de ter o máximo controlo sobre os seus concidadãos. Que farão estes governantes?
Imagine que vai ter a possibilidade de votar no final do mês. You may say I’m a dreamer,
but I’m not the only one.