A Polónia precisa da União Europeia. Porque estes regimes usam a Europa como “o Outro” que legitima a sua existência. Tal como Budapeste, Varsóvia precisa de se manter na União, como tantas vezes disse Mateusz Morawiecki, pois é esta pertença que justifica a viragem nacionalista dos seus regimes.

Dizia-me um amigo com graça que parece que só agora é que alguém se lembrou de olhar para o manual de instruções. Falava das reticências polacas relativamente à hierarquia legislativa do Direito Europeu sobre a Constituição da Polónia. Estou longe de ser admiradora dos caminhos que Varsóvia tem tomado, mas Mateusz Morawiecki, primeiro-ministro polaco, levantou uma questão pertinente. E em vez de um debate ponderado e pacífico no Parlamento Europeu, onde se deslocou terça-feira, parecia uma criança a ouvir descomposturas da presidente da Comissão e dos deputados, ultrajados por Morawiecki não compreender o “espírito” e os “valores” europeus e outros conceitos abstratos do género. Mais um momento lamentável na política europeia.

A Polónia não é um estado igual a todos os outros. A par da Hungria, envolveu-se numa escalada nacionalista e pouco amiga dos direitos, liberdades e garantias, que levou a UE a levantar-lhe um processo com base no art.º 7 do Tratado da União Europeia. O regime polaco arrisca-se a sofrer sanções económicas ou a ver reduzido o valor da “bazuca” pelo seu comportamento relativamente aos seus cidadãos. A resposta polaca foi apresentar um acórdão do Tribunal Constitucional polaco que argumenta que a UE só tem primazia sobre o direito nacional nas áreas em que lhe foram delegadas competências pelos estados-membros. E que as constituições nacionais não podem ser postas em causa.

Destas disputas, que degradam profundamente a União Europeia aos olhos das opiniões públicas, devem, a meu ver, tirar-se duas ilações.

A primeira é que a UE atravessa um dilema difícil com os desafios levantados por estes estados. Há duas questões a ser pesadas, incompatíveis entre si. Por um lado, os representantes supranacionais não podem esquecer, como acontece muitas vezes, que ainda estamos numa união de estados. É preciso estarem preparados para perceber ponderadamente as questões postas pelos estados-membros em relação à sua soberania. Por outro lado, de facto, a Polónia tem vindo a violar o espírito dos valores da União Europeia. Mas as instituições ainda não encontraram a verdadeira forma de lidar com este assunto. Não vale a pena passar a vida a enaltecer os direitos dos cidadãos europeus quando, na prática, eles são postos em causa através das sanções ao regime. A UE tem uma aceitação importante em estados como a Polónia e a Hungria, precisamente por ser vista como o fiel da balança, especialmente pela parte da opinião pública mais insatisfeita com os avanços nacionalistas – e muitas vezes proibicionistas – destes regimes. É preciso encontrar fórmulas de abordar estes casos sem perder o apoio das populações. E responder a um chefe de estado que tem uma pretensão legítima de acordo com o Tratado da União – ainda que a use como arma política – com discursos sobre mau comportamento não leva a lado nenhum.

Até porque – e esta é a segunda ilação – a Polónia precisa da União Europeia. Não só por causa dos fundos europeus regulares e do plano de recuperação económica, mas porque estes regimes usam a Europa como “o Outro” que legitima a sua existência. Tal como Budapeste, Varsóvia precisa de se manter na União, como tantas vezes disse Mateusz Morawiecki. Não porque o regime abrace os valores europeus, mas precisamente porque é esta pertença que justifica a viragem nacionalista destes governos. A Europa é a entidade de que a Polónia tem de se “defender”. Sem ela, o regime tinha pernas muito mais curtas.

É esta “desobediência” continuada à UE, esta espécie de rebeldia política contra um Leviatã sem legitimidade política para ser Leviatã, que constitui a narrativa política de Varsóvia. Por isso não estão “dentro” nem “fora”, e por isso o seu comportamento irá manter-se, como uma espécie de pária que se recusa a perder os benefícios e a cumprir os deveres. É isto que parece escapar às instituições supranacionais e aos seus representantes, que tratam um assunto iminentemente político com leis e discursos inflamados. E enquanto assim for, vai ser muito difícil resolver problemas. O caminho de reintegração da Polónia tem de ser outro. Mais político, mais diplomático, mais denunciador deste jogo que Varsóvia aprendeu tão a bem a jogar.

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