A inflação e a cavalgada de preços estava aquém do meu entendimento, mas o seu pragmatismo trouxe melhor definição ao problema.

Se, ao início, andava distraído e não reparava, agora é inevitável ver o impacto que tem tido no orçamento familiar. Enquanto combatia a inflação na minha vida profissional, reavaliando os custos de dezenas de fichas técnicas e experimentando novos produtos e matérias-primas que, além de mais económicos, mantivessem a qualidade a que habituei os meus clientes, reparei que as faturas lá de casa também sofriam alterações e não se via um fim para estes aumentos.

Não me sinto à vontade para tecer considerações políticas ou económicas sobre esta inflação. Julgo que não acrescentaria nada ao debate, e a minha intervenção deve ser pedagógica.

Tomemos o exemplo das natas com cogumelos. Um produto que pretende facilitar a vida familiar, atalhando caminho para uns bifes de peru com um molho de sabor comercial e sem grande qualidade. Uma embalagem que antes tinha 200ml e custava 1 euro e 30 cêntimos custa o mesmo agora, mas reduz para 180ml.

O nossos cereais de pequeno-almoço, que prometem um corpo digno de capa de revista, só pela sua fibra especial, cujo nome tem duas letras do alfabeto grego e um trema numa das vogais, perderam agora 200 ou 300 gramas e continuam a custar o mesmo.

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Chega por vezes a ser mais barato beber um café na pastelaria próxima de casa do que um café premium de cápsula no balcão da nossa cozinha.

Por vezes, temos que saber como dançar este baile que o marketing e o branding dançam ao som da nossa carteira. Talvez possamos encontrar soluções em receitas base e um melhor conhecimento dos nossos ingredientes. Talvez com uns cogumelos paris e um pacote de natas de culinária consigamos recriar um olho de melhor qualidade e ainda reservar alguns cogumelos para incorporar noutras refeições. Criarmos nós os nossos cereais de pequeno-almoço, com várias sugestões dos membros da família, e termos algo mais barato e saudável a integrar a mais importante refeição do dia.

Penso o mesmo no dia a dia dos restaurantes em que trabalho. Será que compensa comprar um camarão já sem cabeça, ou mesmo descascado mas uns cêntimos mais caro, ou seria melhor comprar o mesmo camarão inteiro e ter a criatividade e engenho de reaproveitar as suas cascas para integrar caldos base e molhos da nossa carta? Será melhor? Será mais económico? Estaremos a comprometer a qualidade?

São questões que abordo todos os dias na minha profissão e que agora vejo refletidas na minha vida pessoal. Estamos numa época em que não se pode ser só criativo, precisamos de saber recuar, reaprender e recorrer às nossas raízes e às nossas bases para que nos recordemos da simplicidade que é comer e dar de comer.

Às vezes um passeio na feira de Tentúgal ou na feira da Malveira com a família pode resultar em compras tão boas como uns mirtilos ou alguns morangos. Fruta essa que troca a sua embalagem moderna por um saco de papel castanho, suja de terra e de folhas, mas plena de sabor. Podem vir a ser uma compota no fundo de um iogurte caseiro e substituir os iogurtes modernos e de marca conhecida na lancheira do meu filho. A compota já está feita, falta o iogurte. Ainda não o fazemos mas queremos começar em breve. Não é fácil, nada é. Vai ter que partir de nós. Mas é o melhor investimento e saímos todos a ganhar cá em casa.