Hoje em dia, é comum fazer das palavras bonitos chavões, muitas vezes criados e difundidos à nossa volta como ferramentas de marketing mas com resultados práticos pouco visíveis. Apercebo-me que a Sustentabilidade é um desses chavões, ou, se preferirem, hashtags.

Somos bombardeados diariamente com a necessidade de preservar os recursos naturais. Que anualmente se extinguem espécies animais e que o mar tem sido fustigado pela pesca intensiva, técnicas de captura ilegais, construções megalómanas e acidentes de culpa solteira. As vítimas são silenciosas, e temos perdido longos quilómetros de ecossistemas marinhos essenciais à manutenção da vida oceânica.

Surgem, entretanto, diversos projetos de aquacultura sustentável, com novas técnicas de produção, aliadas da responsabilidade social, tentando minimizar os danos causados pelas pescas. A isto, juntam-se as quotas de pescas e outros regulamentos que forçam os produtores e consumidores a moldarem o seu poder de compra a estes novos métodos.

Apesar de sermos um país relativamente pequeno, a nossa costa possui uma fauna capaz de fazer inveja a muitos outros de dimensões maiores. Veja-se o caso de restaurantes do outro lado do Atlântico que se orgulham de servir matéria-prima da nossa costa.

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Mas sinto que vivemos um paradigma particularmente interessante.

Ora, se por um lado damos importância a técnicas sustentáveis, produtores locais e sazonais, métodos artesanais, quando falamos de produto e matéria-prima, por outro, utilizamos técnicas de preparação destes mesmos produtos que, de sustentável, têm zero: “sous-vide”, cozimentos a baixa temperatura que duram horas, utilização de materiais não-recicláveis em quantidades astronómicas, gastos energéticos absurdos, e cadeias de frio medonhas. Tudo aquilo que de alguma forma terá impacto nos mesmos ecossistemas que tentamos proteger.

Toda a sustentabilidade se perde se a ostra de origem local é servida em enormes quantidades de gelo, com um molho reduzido horas ao lume, salpicado com um sal extraído a dinamite nas montanhas dos Himalaias. O gasto energético de tudo isto, os sacos de vácuo e a água devem ser determinantes também quando legendamos a foto com “#sustentabilidade”.

Acho que o objetivo não é única e exclusivamente a nossa sobrevivência, mas a dos mares e de todos os ecossistemas marinhos que os tornam magníficos e essenciais à nossa vida.

Devíamos pôr a mão na consciência e apercebemo-nos de que a vida, tal e qual a conhecemos, está a mudar, e que o consumo está a levar à destruição das espécies nos nossos mares. Que o conforto da cadeira do nosso restaurante favorito aporta consigo uma responsabilidade, tanto do cliente como da própria empresa. Compete-nos a nós profissionais escrutinarmos os nossos fornecedores, não só no preço, mas também nas boas práticas, e compete ao cliente questionar sobre o que lhe é servido. Uma refeição não deve ser banalizada, mas deve ser consciente e responsável.

Estamos tão preocupados com a partilha, com as cores, com os filtros, com o trendy e com o hashtag certo, que nos esquecemos que já não podemos empurrar para os nossos governantes ou para as próximas gerações as atitudes que perpetuamos à nossa mesa.

É simples aumentar o preço dos peixes e iguarias, escudados num conceito, mas, atrás dos panos, nada muda, e o mar mais débil fica. Os ecossistemas ficam desequilibrados, os predadores tornam-se presas, o alimento escasseia e as notícias de extinção tornam-se manchetes.

A mudança de que ouvimos falar ao longo dos anos tem sido residual. As alternativas são hoje obrigatórias e começamos a acusar o cansaço, sem saber no que acreditar.

É possível mudar, mas temos que voltar a definir os nossos valores. Voltar a aprender a andar. Perceber quais são mesmo as nossas necessidades. Redefinir o conceito de refeição. De jantar fora. Simplificar.

Temos que parar a conexão Wi-Fi e procurarmos uma reconexão com a natureza. Molhar os pés no mar e sentir o natural desconforto do frio arrepiar-nos a pele. Ligarmo-nos aos seres vivos que habitam os mares. Tocar-lhes e apanhá-los. Sentir o amargor do carvão no peixe e no marisco.

O mar é mais que uma fonte de alimento. É energia. É vida e o tempo urge.

Agora temos pouco tempo, e, acima de tudo, o dever de mudar.

Temos de deixar de capitalizar a sustentabilidade e sermos um pouco mais humanos. Um pouco mais natureza.

O mar continuará. Como? – dependerá de nós.