A introdução no final do ano passado de tecnologias de inteligência artificial de acesso rápido e intuitivo para o público em geral, sendo o mais popular atualmente o ChatGPT da OpenAI, reacenderam a já velha questão sobre a natureza (e a sobrevivência) do trabalho humano.
A rapidez com a qual os utilizadores estão a adotar esta nova tecnologia já começou a provocar mudanças nas instituições. Por exemplo, a Universidade de Liverpool publicou um vídeo sobre como se pode usar a Inteligência Artificial para fazer perguntas de escolha múltipla para um teste, incluindo respostas corretas e erradas, ou preparar um plano de aulas. Mas muitas instituições têm apontado também os riscos. Esta semana, segundo uma notícia do Guardian, um grupo de universidades australianas, indicaram que regressarão aos exames tradicionais escritos à mão, depois de terem descoberto estudantes a usarem inteligência artificial para escrever ensaios.
Para além da academia, as aplicações desta plataforma para várias áreas do conhecimento humano são praticamente inesgotáveis. Segundo um relatório do World Economic Forum “The Future of Jobs 2020”, 85 milhões de empregos serão substituídos por inteligência artificial no mundo até 2025. Mas também é verdade que outros serão criados, sobretudo ligados às novas tecnologias e análise de dados, muitos dos quais ainda não existem e que nós nem imaginamos.
Para além da intensificação dos empregos nas áreas tecnológicas, existem três competências humanas que a inteligência artificial não deverá ser capaz de substituir.
A primeira é o pensamento crítico e o discernimento. A ausência de espírito crítico das máquinas obriga os criadores de inteligência artificial a introduzirem limites éticos nos seus programas, o que representa uma fonte crescente de preocupação para as políticas públicas, até por causa das discrepâncias entre os valores éticos em diferentes regiões. A União Europeia criou em 2018 um conjunto de linhas diretoras para a utilização ética de inteligência artificial, tal como a China em 2019 (princípios de Beijing), mas a implementação desses princípios e os valores destas duas regiões são muito diferentes, nomeadamente no que diz respeito à proteção da vida privada. A inteligência artificial obrigará também a uma aceleração na transformação do ensino. Quando temos acesso imediato e sem filtros a informação, mesmo que tecnicamente correta, só o discernimento permite saber se agir com base nela é eticamente aceitável. Assim, o desenvolvimento da inteligência artificial tem de ser acompanhado de um reforço da filosofia, a área do conhecimento humano que, pelo seu método, mais fomenta o espírito crítico.
A inovação e a criatividade são também espaços privilegiados da inteligência humana. Embora os aspetos da criatividade e da inovação incremental poderão eventualmente ser apreendidos pela inteligência artificial, os aspetos mais disruptivos e originais dificilmente serão captados pela inteligência artificial, que trabalha sobretudo com base na informação existente.
Por fim, a terceira área onde a inteligência artificial não tem competência é nas relações humanas e na capacidade de colocar o ser humano no centro do pensamento e das escolhas. Embora os robots possam substituir muitas tarefas e até analisar os sentimentos humanos com base em análise expressões faciais ou movimentos, a pandemia ensinou-nos que uma máquina, e até mesmo uma conferência virtual que tem uma pessoa real do outro lado do écrã, não substituem a presença humana. Isto é muito importante nos trabalhos que lidam com pessoas, sejam de natureza social, de recursos humanos, ou de aprendizagem, sobretudo entre os mais novos.
Os desafios da inteligência artificial para o futuro do trabalho humano são muito relevantes e irão exigir respostas das políticas públicas em áreas que vão das qualificações à fiscalidade. Mas no fim do dia, o que agora parece claro desde já é que há duas coisas insubstituíveis, a filosofia e o humanismo.