Segundo dados do Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e de Acidentes Ferroviários, só entre junho e início de setembro deste ano ocorreram cinco acidentes com aeronaves, os quais se encontram em investigação. Entre eles figura o do Airbus Helicopters AS350 B3+, ocorrido a 30 de agosto na margem esquerda (Sul) do Rio Douro em direção à cidade de Peso da Régua.

Acidentes com aeronaves na Europa são mais frequentes do que possivelmente imaginamos. Estima-se que entre 60% e 70% das quedas de helicópteros sejam provocadas por erro humano, particularmente por parte dos pilotos. Perda do controlo da aeronave, falhas na operação do rotor de cauda (a hélice), problemas de navegação em condições meteorológicas adversas ou tomada de decisões inadequadas durante voos de baixa visibilidade, constituem algumas das causas principais.

Os relatórios internacionais no erro humano apontam sempre para o facto de os pilotos não se encontrarem aptos, designadamente: a) por falta de treino adequado para manobras de emergência e por falta de experiência em determinadas manobras, durante o voo, que os levam a cometer erros fatais; b) por fadiga e tensão pelas longas horas de voo, agravadas por condições de trabalho precárias ou insustentável pressão psicológica; e c) por consumos inadequados, como álcool, estupefacientes ou medicamentos que, forçosamente, afetam as capacidades cognitivas e físicas de quem se encontra aos comandos.

Quando alguma destas três causas se verifica, a capacidade de decisão acertada deixa de existir, perde-se o sangue-frio e lá vai a coordenação motora, pois pilotar um helicóptero exige o uso simultâneo das mãos e dos pés para acionar diferentes comandos.

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Após um acidente inicia-se a investigação forense, um processo rigoroso e detalhado para identificar as causas e prevenir futuros desastres, e que se divide nas seguintes etapas: 1) preservação do local do acidente (o isolamento imediato da área para evitar contaminações e se possa recolher provas cruciais, como peças da aeronave que não se percam ou sejam danificadas, seguindo-se o mapeamento detalhado da área para registrar a posição dos destroços e quaisquer marcas ou danos no terreno, e a máxima recolha fotográfica sob diferentes ângulos); 2) Recolha e análise de provas  (os destroços do helicóptero são recolhidos e analisados, concretamente os sistemas elétricos e sistemas dinâmicos, ou seja, caixa de transmissão-engrenagem o rotor principal, o rotor de cauda, e os motores. O objetivo é determinar se houve falha mecânica, como avaria de peças ou desgastes excessivos); 3) exame do combustível, para verificar a sua qualidade e identificar possíveis contaminações ou falta de abastecimento; 4) análise dos instrumentos de voo, para verificar dados de voo, tais como velocidade, altitude, e direção no momento do acidente; 5) análise dos registros de voo, as caixas-pretas armazenam dados de voo e comunicações entre a tripulação e o controlo de tráfego aéreo, tudo registos fundamentais para entender as decisões do piloto e o desempenho da aeronave; 6) análise dos planos de voo, incluindo a rota projetada, e «logs» de manutenção para verificar se havia algum problema conhecido ou comunicado antes do voo; 7) condições meteorológicas e geográficas (os investigadores analisam as condições meteorológicas no momento do acidente, como, por exemplo, visibilidade, ventos e condições de gelo, para determinar se foram fatores de risco. E a geografia onde ocorreu o acidente para verificar possíveis obstáculos, como árvores, montanhas ou linhas de transmissão que possam ter causado colisão ou perda de controlo); e 8) entrevistas com testemunhas e tripulação eventualmente sobreviva (pessoas que presenciaram o acidente são entrevistadas para fornecer detalhes sobre o comportamento da aeronave antes de se despenhar, tais como som incomum, fumo, rotações anormais, etc. A tripulação pode indicar informações importantes sobre falhas técnicas ou decisões operacionais).

A investigação é sempre meticulosa e demorada, podendo até durar anos com relatórios intercalares pelo menos de 12 em 12 meses, descrevendo os progressos da investigação, bem como os problemas de segurança eventualmente encontrados, e terminará com um relatório final, o qual indicará as causas prováveis do acidente juntamente com recomendações para evitar acidentes futuros.

Se o erro for humano, isto é, do piloto, ocorrerá apreensão e perda da licença de piloto comercial de helicóptero, seguindo-se um processo judicial em que lhe será imputado um crime de homicídio, por negligência, cuja pena pode chegar aos cinco anos.

A investigação forense de acidentes de aeronaves não é famosa em Portugal, desde o acidente de 4 de dezembro de 1980, da avioneta Cessna em que o primeiro-ministro da altura, Francisco Sá Carneiro, e outros cinco ocupantes, seguiam em direção ao Porto, e se despenhou no bairro das Fontaínhas, em Camarate, junto ao aeroporto de Lisboa, logo após levantar voo. Passados 44 anos, as dúvidas das causas do sinistro ficam para a história e para a imaginação dos historiadores, porque a linha de investigação da Polícia Judiciária redundou na tese de acidente muito mal explicado, não se percebendo se houve erro humano, se avaria mecânica, ou se a combinação de ambos os fatores.

Esperemos que a investigação ao acidente de Peso da Régua decorra no tempo certo. Não basta um dia de luto nacional para que a memória histórica não se apague. Importa – e acima de tudo – saber a verdade.