Os dias teriam 24 horas se, ainda assim, não  nos faltasse tempo, todos os dias. E não, não é o lado glutão do trabalho a atropelar-nos, a todas as horas. É a vida a meter-se entre nós e o tempo.

Vivemos atulhados de pensamentos por pensar. A nossa angústia são pensamentos por pensar. E a depressão desamparos cumulativos que resultam dos mal-entendidos que não encontram em quem nos ama os recursos que nos ajude a pensá-los. Levamos tanta bagagem invisível para as férias que é por isso que tenho medo das expectativas que pomos sobre os ombros delas. Como se fosse possível cortarmos com a agitação de todos os dias. E, quase como se se tratasse dum simples “pulo”, se passasse da agitação à paz. Sem dar por isso. E, finalmente, se encontrasse o espaço que nos fez falta para nos arrumarmos, por dentro. E para acertamos com as pessoas de quem nos fomos afastando, aos bocadinhos, as condições para nos tornarmos imprescindíveis, outra vez, uns para os outros.

Eu acho que pomos demasiadas expectativas sobre as férias. Como se dependessem delas todos os acertos de que precisamos para sermos felizes. Esperando que, depois das férias, o ano “comece”. E, como se fosse do zero, se parta para os próximos meses do resto da vida doutra maneira. Indo de férias “cá dentro”.

Mas, depois, a preparação das férias é uma tensão. O que se adia em nome das férias um reboliço. O caminho para as férias uma agitação. As regras das férias um sufoco. As crianças, nas férias, um batalhão de artefactos, de horas certas, de birras e de amuos. O amor, nas férias, um logo se vê. A divisão de tarefas, nas férias, uma miragem. As horas, apertadas, para sair da praia a tempo do restaurante, um “deus me livre”. Os supermercados um ror de filas. As caminhadas, à noite, a confusão. O regresso à escola, que se avizinha, uma ameaça. E o protocolo de férias, com a família ou com os amigos, uma arrelia e uma  falsidade. E, então, quando se esperava das férias uma lufada de ar fresco nas coisas por dizer, a “bagagem” que se leva manda mais. E, talvez seja por isso, que as pessoas zangadas, em férias, pareçam multiplicar-se. Talvez porque tudo o que não se resolveu antes delas chegarem não só não nos lhes dê férias. Como se a bagagem invisível que se levou para elas não parasse de aumentar. As férias não são para todos. E não são, como deviam, um grito de liberdade.

E, depois, há as pessoas que regressam de férias mais cansadas do que quando partiram para lá. E aquelas que, por sua vontade, quase lhes apetecia tirar férias da vida que têm para recomeçarem, “noutras vidas”, duas portas ao lado.

Se há aspectos para os quais este tempo devia servir era para ir para dentro, cá fora. Para pegar nas pontas soltas daquilo que se sente e para as cerzir. Para arejar os sonhos. E para pôr ao ar as bagagens invisíveis com as quais, mesmo de férias, a vida cansa. Mesmo quando nada nos sugere que se possa recomeçar, sem voltar ao princípio. E, sejam quais forem as frentes atmosféricas, gozar o tempo, finalmente.

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