A Convenção Nacional Republicana em Milwaukee fica naturalmente marcada pelo momento da entrada de Donald Trump, que reapareceu em público depois de ter sobrevivido a um atentado no Sábado. Trump que anunciou também o seu vice-presidente: o senador J.D. Vance. Trata-se de uma opção segura – Vance tem (actualmente) posições muito convergentes com as de Trump – mas também inteligente, por várias razões.

Em primeiro lugar, a escolha de Vance sinaliza uma viragem geracional num contexto político profundamente envelhecido como é o dos EUA. Os 39 anos do candidato a vice-presidente contrastam não apenas com os 81 anos de Biden e com os 78 anos de Trump mas também com os quase 60 anos de Kamala Harris, a actual vice-presidente em funções cujos níveis de impopularidade rivalizam com os de Biden.

Além do forte sinal de renovação geracional, a escolha de Vance consuma também a viragem à direita do GOP. Uma viragem que, em caso de vitória de Trump, promete agora de forma mais credível enterrar definitivamente o desastroso legado do neoconservadorismo que tomou e contaminou durante décadas o Partido Republicano. Mudanças que podem no entanto ter também implicações preocupantes, nomeadamente caso os indícios de populismo económico acabem por conduzir ao reforço de políticas estatistas e proteccionistas. Sendo que será também de esperar que a política externa dos EUA fique ainda mais focada na região da Ásia-Pacífico, obrigando a Europa a assumir maiores responsabilidades pela sua defesa.

Em terceiro lugar, Vance permitirá consolidar e fortalecer o apoio à candidatura de Trump em vários segmentos críticos. Desde logo, obviamente, o Ohio (por onde Vance foi eleito para o Senado) mas também transversalmente por todo o chamado Rust Belt, uma região que muito provavelmente será decisiva para a determinação das eleições presidenciais de Novembro. O próprio Trump, ao fazer o anúncio da sua escolha para vice-presidente, destacou, além do Ohio, os Estados da Pennsylvania, Michigan, Wisconsin, e Minnesota – e essas referências não foram certamente inocentes.

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As origens humildes de J.D. Vance (que contrastam com as de Donald Trump) e o seu percurso desde os muito difíceis tempos de infância e juventude – incluindo quatro anos de serviço nos Marines e a posterior formação universitária que culminou na Yale Law School onde foi um dos editores do Yale Law Journal – é o tipo de história pessoal que é naturalmente apelativa no contexto dos EUA. Como bem explicou o seu apoiante Rod Dreher na European Conservative.

“The last time I felt such overwhelming pride in my country was when we elected Barack Obama as president. I did not vote for him—I’m a conservative—but the fact that in my lifetime, we went from being a country where in some parts, black people were treated under the law as second-class citizens, to electing America’s first black president … man, how could you not be proud of such a country?!

And now, a poor white boy from Appalachia, who didn’t really know his father, whose mom was drug-addicted, and who grew up raised rough by his grandparents, has reached this summit. Ain’t that America?”

Uma história americana que é potenciada ainda mais pelo casamento inter-racial com Usha Chilukuri Vance, filha de imigrantes indianos, que foi sua colega em Yale. Seria caso para dizer que é uma história que dava um livro. E neste caso deu mesmo: incentivado por Amy Chua – sua professora em Yale – Vance escreveu um livro de memórias que viria a publicar em 2016: Hillbilly Elegy: A Memoir of a Family and Culture in Crisis (Harper Press, 2016), que se tornou rapidamente um best-seller sendo visto por muitos – à esquerda e à direita – como um relato arguto do contexto social, cultural, económico e político que potenciou a ascensão política meteórica de Donald Trump. Um livro do qual foram vendidos mais de três milhões de exemplares e que veio a dar origem a uma adaptação ao cinema, num filme de 2020 que teve como realizador Ron Howard.

Já depois da publicação do livro, J.D. Vance viria a converter-se ao catolicismo em 2019, sendo bastante interessante a forma como o próprio Vance enquadra e justifica essa conversão:

“I became persuaded over time that Catholicism was true. I was raised Christian, but never had a super-strong attachment to any denomination, and was never baptized. When I became more interested in faith, I started out with a clean slate, and looked at the church that appealed most to me intellectually.

But it’s too easy to intellectualize this. When I looked at the people who meant the most to me, they were Catholic. My uncle by marriage is a Catholic. Rene Girard is someone I only know by reading him, and he was Catholic. I’ve been reading and studying about it for three years, or even longer. It was time.”

Nestas eleições presidenciais nos EUA, será difícil não registar a ironia de J.D. Vance ser, por larga margem, o candidato com trajetória e perfil intelectual mais robustos – sendo que o contraste com Kamala Harris é nesta dimensão particularmente flagrante. Inicialmente muito céptico relativamente a Donald Trump, Vance mudou de ideias nos últimos anos e tornou-se um dos mais fervorosos apoiantes do trumpismo – o que naturalmente potencia acusações de oportunismo.

Mas o mais significativo desta escolha de Trump é o que poderá representar para o futuro da direita e do conservadorismo nos EUA. Considerando os 78 anos de Trump, e apesar de este se encontrar aparentemente em bastante melhor forma do que Biden, a posição de vice-presidente dos EUA ganha uma relevância ainda maior do que a habitual caso se concretize uma vitória Republicana nas presidenciais. Mesmo admitindo como mais provável o cenário de Trump completar o seu segundo mandato, Vance ficará numa posição privilegiada para poder avançar para a Presidência dos EUA em 2028.